# 59 Marco Jacobeu
Marco Jacobeu - Fotógrafo e Sócio-Gerente de uma empresa de serviços gráficos e impressão | Abril
Nome: Marco Jacobeu
Naturalidade: Alemanha (RFA)
Idade: 44 anos
Formação académica: Licenciatura em Geografia (UM) / Pós-graduação em Património Geológico e Geoconservação (UM) e Comunicação (U. Católica)
Ocupação Profissional: Sócio-gerente de uma empresa na área de serviços gráficos e impressão
Outros: Duas paixões: fotografia e mapas
1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende
Aquando do convite para esta entrevista, lançado pela APG, estava precisamente a reler um livro que tem bastante interesse no campo da Geografia. Com efeito, durante este período mais calmo aproveitei para fazer umas arrumações e encontrei o livro “Catedrais da Terra”, da autoria de Gonçalo Cadilhe, que recomendo a quem gosta de montanhas, apesar da edição já contar com duas décadas, o que implica alguma desatualização, como a que deriva do Evereste ter aumentado cerca de 18mm. Este livro é uma boa forma de conhecer “As mais belas montanhas do mundo” pois, contém excitantes descrições e aliciantes fotografias dessas imensas maravilhas dispersas pelo mundo. São espaços geográficos que me fascinam e que, sempre que me é possível visita-las, permitem-me conjugar o amor às montanhas com aquilo a que costumo chamar de GeoFotografia, a área da fotografia que maior gozo me proporciona. Entretanto, as minhas leituras futuras centrar-se-ão sobre Santiago de Compostela, uma vez que, tenho de cumprir uma promessa feita no último Ano Jacobeu (2010) o de fazer o caminho primitivo em Ano Santo!
2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Não trabalho diretamente na área. Antes de concluir a licenciatura já era empresário e pai de 3 filhos. O mais velho, com 21 anos, já é licenciado na área das florestas e, até à data, foi a melhor recompensa que obtive (valeu por todas as diretas!), educar pelo exemplo é algo indescritível. Aos 33 anos, com alguma realização na fotografia, sentia necessidade de evoluir para uma área especializada da mesma. Quanto aos cursos superiores apenas surgiram dúvidas entre a Engenharia Ambiental e a Geografia. Não me arrependo. Conheci pessoas incríveis, algumas ficaram para a vida, adquiri e partilhei conhecimentos e experiências que me permitiram crescer e também fazer crescer. O curso proporcionou-me competências e ferramentas. Hoje, como geógrafo tento abordar os assuntos de variadas formas, de diferentes escalas/perspetivas e aplico-as, quando fotografo. Anteriormente olhava para uma paisagem e apenas me preocupava com questões técnicas e estéticas. Hoje em dia, para além disso, tento compreender as questões físicas e humanas da mesma. É importante conhecer a história, a geologia, a geomorfologia, a cultura, as pessoas, as dinâmicas. A experiência diz-me que, quanto mais aprofundo o conhecimento acerca de algo, menos o registo – vou ao essencial – conheço-o. Passar inúmeras vezes por um determinado local, e, obter sempre abordagens diferentes, é um exercício deveras interessante, que treino sempre que posso. Conversar com os residentes, tocar, sentir, respirar são ações bastante válidas. Parece-me oportuno realçar o trabalho de um colega, recentemente premiado na fotografia, Jorge Bacelar, o qual, quando conseguiu conciliar a sua formação e a sua profissão – veterinário, obteve resultados excelentes.
3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
É um reconhecimento em crescendo. Hoje em dia, a responsabilidade numa simples fotografia é bem maior e sinto as pessoas/clientes mais curiosos e recetivos à explicação da mesma. Consigo dar sentido ao objeto com mais fundamento. A leitura/interpretação da imagem, tal como a leitura de gráficos, de mapas é algo intrínseco ao Geógrafo. No atual contexto, existem áreas, para além da dos cuidados de saúde, que foram revalorizadas, como são os casos da Educação e da Geografia, que estão, na minha opinião, numa tendência crescente: Com efeito, a real importância da comunidade educativa começou a ter um reconhecimento generalizado, ao mesmo tempo que a sensibilização das pessoas para a importância do ambiente e para as atividades de lazer ao ar livre (por exemplo, as ciclovias em Guimarães, em pleno confinamento, tinham uma afluência enorme), que muito beneficiam a saúde, a par da dinâmica governativa em torno da defesa e valorização da floresta, áreas objeto de estudo da Geografia, vieram demonstrar o enorme valor social da Geografia. Uma palavra também para a Associação Portuguesa de Geógrafos (APG) que, mesmo num momento conturbado, se mantém bastante dinâmica, aspeto que é muito positivo e motivador.
4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
A primeira coisa que aprendi quando entrei numa sala de aula da UMinho foi que a Universidade é um centro de produção de conhecimento. Portanto, logo à partida, a Geografia dará o seu contributo e, embora sendo uma ciência de charneira, o GEO (espaço) distingue-nos das outras ciências. Existem áreas na geografia super interessantes e promissoras, podendo aqui destacar os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) que são, hoje em dia, absolutamente essenciais, com uma enorme multiplicidade de aplicações (Mapas, APP`s, GPS, Cadastros, etc.) científicas, técnicas e comerciais. Com efeito, essa utilidade está bem vincada na atualidade, e tem permitido, reunindo uma enorme quantidade de dados e informação, a elaboração e a produção de um conjunto alargado de outputs, que têm ajudado no planeamento e gestão da crise pandémica, na elaboração de planos de vacinação, …
5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspectiva e análise como geógrafo.
No meio de toda esta confusão que nos assola, entre os “gritos do planeta”, líderes mundiais que não cumprem os parâmetros mínimos da decência humana e as inevitáveis ondas infeciosas que sempre aconteceram e irão continuar a acontecer, atingimos, em Março, segundo a France Press, 122 milhões de infetados com a covid-19! Este número, que se analisado à luz das declarações da responsável da DGS - Dr.ª Graça Freitas - em Março/2020, em que era afirmado à imprensa que “a probabilidade do vírus chegar cá, era remota”, devia fazer-nos refletir profundamente. Gostaria de aqui reproduzir um texto do meu caro cliente, amigo e pediatra dos meus filhos, Dr. António Gama Brandão: “O homem é um ser complexo, onde polos antagónicos se debatem em ritmo constante e imprevisível: o afeto e a hostilidade, a aceitação do que é fácil e o desafio pelo que parece intransponível, despertam no ser humano reflexos inesperados.
Com que frequência as dificuldades a vencer no nosso quotidiano não atuam como um poderoso estímulo? A obra que se realiza sem óbices não atinge a mesma proporção de grandeza que aquilo que é conquistado com luta e determinação. É como se o obstáculo excitasse o nosso talento. E não é difícil encontrar tantos e tão flagrantes exemplos disso na história da humanidade.
Em solo rochoso e parco de recursos naturais, surgiu uma espantosa civilização, a civilização helénica, em que todas as atividades do pensamento atingiram um esplendor quase ímpar. Com a reflexão dos pensadores e filósofos, a eloquência dos oradores, o mérito dos dramaturgos e épicos, a magnificência dos cultores da arte. Também aí a democracia deu os seus primeiros passos e só não atingiu a plenitude porque o fenómeno da escravatura era coexistente. Nas terras mais férteis do Norte europeu e em condições bem mais benéficas, nenhuma civilização se desenvolveu que tanto marcasse o pensamento humano”.
6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Portugal, o pedacinho de terra mais a ocidente e periférico, no contexto europeu, devido à imposição dos meridianos, com pouco menos de 90.000 km2, com fronteiras estáveis, povo hospitaleiro, gastronomia ímpar, condições climática agradáveis, etc, etc, e tem ainda muito “wild” para descobrir. Que tal explorarmos um local magnífico localizado no Maciço Hespérico Português? Começando pelo nosso único Parque Nacional, o Parque Nacional da Peneda Gerês, classificado pela UNESCO como reserva mundial da biosfera. Fazendo uma “subidinha” aos Carris (20 km ida e volta) é possível conciliar uma atividade turística, benéfica para a saúde, com aspetos da história, da biologia, da geologia, etc, e, obviamente, da nossa geografia, tanto a física como a humana. Proponho, pois, uma saída de campo ao trilho das Minas dos Carris, sendo possível a sua realização em quase todas as épocas do ano. Chegados à localidade da Vila do Gerês, recentemente - Termas do Gerês - que pertence à freguesia de Vilar da Veiga, subimos (a palavra subir aqui é levada a sério) por uma estrada sinuosa e chegamos a Leonte. Depois é só continuar por uma bela estrada (paga nos meses de verão) até à fronteira, atravessamos a Mata da Albergaria, local paradisíaco, sobretudo, pelo bosque de carvalhais - reserva biogenética europeia. Depois de estacionarmos na Portela do Homem, bem juntinho a Espanha, o trilho tem o seu início na cascata com o mesmo nome, junto à ponte, nas lagoas do rio Homem, lagoas essas, bem conhecidas e frequentadas pelos veraneantes. O trilho segue pela margem esquerda do rio, e, ao longo de um antigo vale glaciar, o do Alto Homem, onde encontramos mais quedas de água, indícios de uma tectónica recente (orogenia alpina - 40 a 5 Ma). A paisagem de rochas magmáticas (granitos) é, deslumbrante e serve de habitat a corços, cabras do Gerês e ao lobo ibérico! Durante o percurso é constante a companhia da geo e da biodiversidade geresiana (carqueja, lírio do Gerês, azevinho, …) e, após cerca de 9 km e perto das cabeceiras do rio Homem, encontramos, a pouco mais de 1400m de altitude o complexo mineiro das Minas dos Carris e, temos, a oportunidade de constatar, um pouco da história da exploração do volfrâmio que ali ficou perpetuada. Como se não bastasse, um pouco mais à frente, avistamos o Altar dos Cabrões, com 1544m e desta forma “conquistamos” o segundo ponto mais alto de Portugal Continental! Mais ainda há mais! Para os destemidos o percurso poderá continuar a norte para Espanha ou a este para Pitões das Júnias sempre com o mesmo tipo de relevo. Como nota final, não devemos esquecer que este trilho integra a área de proteção total do PNPG, para tal, é necessária uma autorização da entidade competente – ICNF.
Boas caminhadas, geográficas (obviamente).