Francisco José de Vasques Tenreiro

Francisco José de Vasques Tenreiro, por João Sarmento

 

Francisco Tenreiro nasceu em 1921, na Roça do Rio do Ouro, Ilha de São Tomé, e faleceu em Lisboa, em 1963. Filho de uma trabalhadora contratada negra da Roça Diogo Vaz, e de um administrador de roça português branco, deixou a sua ilha natal com apenas dois anos, para viver na capital da metrópole, onde foi criado pela sua tia paterna. Só aos 35 anos regressou a São Tomé e Príncipe.

Em Lisboa, e com apenas 21 anos, publicou o volume de poesia Ilha de Nome Santo (1942), incluído na coleção Novo Cancioneiro, editada por um grupo de intelectuais associados ao movimento neorrealista português. O poema inaugural, dedicado à sua mãe, encerra a sua identidade híbrida e diaspórica; no seu conjunto este trabalho distinguiu Tenreiro como uma figura chave da Negritude em Portugal, contribuindo para o seu estatuto de poeta nacional de São Tomé and Príncipe.

Depois de uma passagem pela Faculdade de Ciências, Francisco Tenreiro frequentou o Curso Superior Colonial, na Escola Superior Colonial, entre 1944 e 1948, e durante o seu tempo como estudante teve um papel de relevo na Associação Académica, participando e organizando diversos eventos culturais relacionados com arte africana. Por indicação do seu professor Medeiros-Gouvêa (1900-1972), e já como estudante finalista, iniciou a colaboração com o Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, sob orientação de Orlando Ribeiro (1911-1997). Contribuiu para a Missão de Geografia à Guiné (1947), e foi secretário do XVI Congresso da União Geográfica Internacional, que se realizou em 1949.

Em 1950, Tenreiro foi nomeado 3º oficial interino do Quadro Administrativo do Ministério do Ultramar, onde trabalhou até 1955. Em 1953 publicou, com Mário Pinto de Andrade (1928-1990), Poesia negra de expressão portuguesa, uma antologia de textos de intelectuais africanos que constitui a primeira manifestação da Negritude nas literaturas africanas de língua portuguesa. Foi durante estes anos que Tenreiro teve um papel central nas atividades da Casa dos Estudantes do Império, um lugar/instituição chave na construção da africanidade, do nacionalismo e da resistência, e no centro de estudos africanos que então se criou.

Na qualidade de funcionário do Ministério participou num curso de férias em Cambridge, em 1950, e durante quase um ano, entre 1954 e 1955, e com uma bolsa de estudo do British Council, Tenreiro esteve na London School of Economics and Political Sciences com o propósito de ‘estudar problemas de geografia da colonização’, interagindo com Harrison Church, Dudley Stamp (1898-1966) e Daryll Forde (1902-1973). Aí recolheu material bibliográfico sobre África, escreveu vários textos, fez cursos e participou em conferências, e inclusivamente deu algumas palestras para a BBC.

Em 1955 foi contratado como assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, regendo as cadeiras de Etnologia, Geografia Política e Económica, e Geografia Colonial. Por convite de Adriano Moreira (1922-), lecionou, desde 1959, no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (mais tarde Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina), onde foi nomeado Professor Catedrático, em 1962, após prestar provas de doutoramento em Geografia. Regeu a cadeira de Geografia de África.

A sua tese de doutoramento, A Ilha de São Tomé (1961), é um dos trabalhos-chave da Geografia Tropical Portuguesa, constituindo uma investigação minuciosa na tradição monográfica da geografia regional francesa, com forte suporte de investigação histórica e de rica descrição das características geográficas físicas e humanas da ilha. Neste trabalho, fortemente influenciado por Pierre Gourou (1900-1999) e por George Balandier (1920-2016), destacou as relações delicadas e multifacetadas, ao longo do tempo, entre pessoas e natureza.

Tenreiro teve um papel de destaque nos principais programas científicos relacionados com a Geografia tropical, tendo sido adjunto de Orlando Ribeiro no ‘Agrupamento Científico de Preparação de Geógrafos para o Ultramar’ (1958-1973) e na ‘Missão de Geografia Física e Humana do Ultramar’ (1961-1973). Entre 1957 e a sua morte, foi deputado por São Tomé e Príncipe, à Assembleia Nacional (VII e VII legislaturas). Ser deputado valeu-lhe algumas críticas e um afastamento da geração de Cabral, ainda que tenha defendido, em diversas intervenções, a melhoria das condições de vida da população são-tomense. Por altura da sua morte tinha em preparação os estudos Lourenço Marques – Formação e Desenvolvimento de uma cidade, e O Território dos Saloios – Estudo de Geografia Regional.

 

Bibliografia

1. Obras principais de Francisco Tenreiro

(1942) Ilha de Nome Santo.

(1950) Acerca da Casa e do povoamento da Guiné. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 46p.

(1953) Poesia negra de expressão portuguesa (com Mário de Pinto Andrade)

(1961) A Ilha de São Tomé. Tese de Doutoramento em Geografia. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

(1961) ‘The Portuguese Province of São Tomé and Príncipe: Portugal’s plantation isles’. In R. J. Harrison Church, ed., West Africa. A Study of the Environment and of Man's Uses of It, p. 526-531. Longman, Greens and Co.

(1964) Angola: Problemas de Geografia Humana. Curso de Extensão Universitária – Angola. Ano lectivo 1963-1964, Instituto Superior de Ciências e Política Ultramarina. Lisboa, pp. 37-60.

 

2. Obras sobre Francisco Tenreiro

Amaral, I. (1979) A ‘Escola Geográfica de Lisboa’ e a sua contribuição para o conhecimento geográfico das Regiões Tropicais. Centro de Estudos Geográficos, Lisboa.

Brito, R. S. (1966) Francisco Tenreiro. Estudos Políticos e Sociais. IV(1): 5-11.

Mata, I. (ed.) Francisco José Tenreiro. As múltiplas faces de um intelectual. Lisboa: Edições Colibri.

Ribeiro, O. (1963) Francisco Tenreiro (1921-1963). Revista da Faculdade de Letras de Lisboa. 7: 3-7.

Ribeiro, O. (2017) Francisco José Tenreiro: ‘Poesia e Verdade’. In Ribeiro, O. (col.) Mestres, Colegas, Discípulos. Vol. II. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 707-714.