# 56 José António Tenedório

José António Tenedório - Professor na Universidade Nova de Lisboa | Janeiro

Nome: José António Tenedório
Naturalidade: Caminha 
Idade: 59 anos
Formação académica: Licenciatura em Geografia e Planeamento Regional (Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas,1984), Diplôme d'Études Supérieures Spécialisées (DESS) em Detecção Remota (Universidade de Paris VI, Faculdade de Ciências, 1990), Doutoramento em Urbanismo (Universidade de Paris XII, Instituto de Urbanismo de Paris, 1998).
Ocupação Profissional: Geógrafo, Professor na Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.
Outros: Investigador integrado no CICS.NOVA – Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, sediado na NOVA FCSH da Universidade Nova de Lisboa.

1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Um livro que me marcou foi Theoretical Geography de William Bunge (1966), edição aumentada relativamente à publicada em 1962. O que mais me fascina neste livro é a visão da Geografia que Bunge constrói, alicerçada em conceitos espaciais estruturantes (muitos deles derivados da geometria e, também por isso, necessariamente abstractos), em métodos replicáveis, na evidência estatística, e nos modelos espaciais (necessariamente generalizantes). Arrisco dizer que boa parte dos fundamentos da Ciência e Sistemas de Informação Geográfica, tal como actualmente os conhecemos, estão neste livro. Claro que Bunge conhecia a teoria da informação de Shannon, mas não terá suspeitado nem da gigantesca revolução na computação científica que se sucedeu, bem mais tarde, nem da computação móvel e da computação em nuvem que usamos hoje, porventura menos ainda da miríade de dados espaciais de que a Geografia se alimenta actualmente, e bem, para procurar emergências e auto-organizações em sistemas espaciais complexos.
É, também, fascinante imaginar como Bunge terá elaborado este livro (e outros), entre o risco intelectual que terá corrido ao propor que há princípios que governam os padrões que resultam de processos da interacção humana com o espaço físico e a visão idiográfica dominante. A visão nomotética da Geografia que foi construindo, as sínteses derivadas de modelos teóricos que buscava e as generalizações, ter-lhe-á custado amarguras, mas deixou a marca de um geógrafo pioneiro ímpar que robusteceu o sentido da Geografia.
Há muitas razões para revisitar este livro; coisa que faço com frequência. A última vez que o reli foi para procurar as evidências de ligação entre a “Geografia baseada na geometria”, tão patente na obra de Bunge, as tendências de evolução recentes na Ciência e Sistemas de Informação Geográfica e a teoria espacial que poderá decorrer da modelação de propriedades espaciais. A releitura referida mostra que a Geografia teórica e quantitativa não morreu. Nem nas obras que se sucederam às pioneiras de Bunge (de entre as quais destaco as de Peter Haggett, A. Stewart Fotheringham, Chris Brunsdon, Martin Charlton, Stan Openshaw, Michael Batty e Denise Pumain) nem nas actuais revistas científicas internacionais de referência. Pelo contrário; está bem viva.

2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Tenho dedicado parte da vida académica, quer no ensino quer na investigação, ao trabalho com dados de observação da Terra por via de Detecção Remota. Em determinadas circunstâncias, costumo dizer que recorro aos meios complementares de diagnóstico da Terra, por via da imagiologia (óptica, térmica, hiperfrequências, LiDAR, UAV, etc.), para reconhecer as estruturas deste “corpo”, as formas e funções dos “tecidos” que o compõem e as perturbações a que estão sujeitos, usando múltiplas resoluções (espaciais, espectrais, radiométricas e temporais). 
À parte o referido, o que tenho ensinado serve para capacitar as sucessivas gerações de estudantes universitários e investigadores, nos diferentes graus e estágios, em actividades de processamento numérico de imagens digitais obtidas por sensores de propriedades da superfície da Terra (estados da vegetação, da água e dos solos, inferência do uso do solo a partir de classificações dirigidas da ocupação do solo, etc.), para saberem decidir sobre que métodos e técnicas usar na extracção de informação geográfica que construa evidência de mudança nos sistemas terrestres; em particular nas cidades. E, claro, recorrendo a práticas pedagógicas que penso favoráveis à aprendizagem autónoma ao longo da vida, considerando a incontornável evolução tecnológica e ao que tudo isso nos obriga.
Talvez esta seja a parte mais relevante do que faço enquanto geógrafo, facto que não me impede de dizer que as incursões que tenho feito, curtas em profundidade e limitadas no tempo, nos domínios dos estudos do ordenamento do território, do urbanismo, dos Sistemas de Informação Geográfica ou da Educação à escala municipal, não incorporem relevância. Claro que sim, mas justificam-se mais pela boa dose de inquietude e da tentação da diversificação de interesses do que pelo número de horas que lhes dedico.

3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Tenho a percepção que sim. Tenho tido convivência científica com colegas de diversificados ramos da Engenharia (Geográfica, Informática, Florestal, Agronómica, entre outros), da Física, da Matemática e, claro, da Geografia, quer por força do trabalho em projectos de investigação e ensino, quer por via dos projectos de prestação de serviços à comunidade. Em quaisquer dos casos, tenho sentido que a matriz de leitura e interpretação dos factos e fenómenos espaciais que fui construindo acrescenta valor às equipas. Não me lembro de ter regressado de trabalhos conjuntos, nos contextos acima referidos, com outra impressão. Mas posso estar enganado. 
O reconhecimento expressa-se de variadas formas. A que me traz mais evidência disso, enquanto geógrafo, são as citações em revistas indexadas de amplitude internacional de trabalhos que tenho feito com colegas e estudantes de doutoramento e de mestrado.

4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Em primeiro lugar, diria que tente começar a construir o ser geógrafo o mais completamente possível: ser com saber pensar, ser com saber fazer e ser com saber ser para intervir nas geografias do futuro contrariando, quando e se houver razões para contrariar, as narrativas espaciais que se vão produzindo. Isso exige uma predisposição para substituir os encantos da imediatez (a expressão é de Daniel Innerarity) pela reflexão aturada sobre esta coisa tremenda que é verificarmos que a Terra vem sendo cada vez menos uma «(…) bola colorida / Entre as mãos de uma criança» (António Gedeão e Manuel Freire, interpretada por Carlos do Carmo).
Em segundo lugar, diria que nunca leiam apenas os que os outros (designadamente os professores) nos conduzem a ler (permitam-me que vos diga que, ainda agora, não recomendei nem deixei de recomendar Theoretical Geography de William Bunge referido acima). Os artigos científicos são correntes de construção abreviada de conhecimento; os livros são camadas de sedimentos consolidados. Aos estudantes à entrada da universidade, falo de livros e de artigos que marcaram a história da Geografia. Quando calha, por vezes, alguns antigos alunos, só anos mais tarde me falam dos recomendados. Isso é bom.
Em terceiro lugar, diria que não se deixe nunca o saber fazer em plano secundário. Isto vale para qualquer profissão, parece ser verdade, mas é particularmente essencial num contexto de transição digital veloz. Pode ser que aqui esteja boa parte das perspectivas profissionais sendo certo que só se consegue responder integralmente a esses desafios se levarmos connosco o saber fazer nos domínios das linguagens de programação, da inteligência artificial (espacial) e da arte para trabalhar com soluções criativas e elevados graus de incerteza (na ciência que possamos fazer e na técnica que saibamos aplicar, no ensino, nas soluções espaciais, nas relações laborais, etc.). O que teria sido diferente se não tivéssemos saber fazer acumulado no uso de plataformas de ensino-aprendizagem (por exemplo, com dados abertos, software aberto, métodos abertos, etc..) para responder, o melhor possível, a este contexto pandémico?
Em quarto lugar, quanto à responsabilidade, que fiquemos comprometidos em contrariar a destruição do planeta. Já é muito se pensarmos essa possibilidade (na acepção que António de Castro Caeiro utiliza) às diferentes escalas, tempos e ambições desmesuradas das más políticas.

5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspectiva e análise como geógrafo.
Não sei se o que vou dizer é um acontecimento ou um não acontecimento, mas parece evidente que o mundo teria ficado mais paralisado não fora a resposta tecnológica digital à pandemia. Apesar de algumas más práticas, envolvidas por oportunismos reprováveis, muitas empresas e serviços públicos não pararam e, parece certo, que em alguns sectores a produtividade terá aumentado. E assim sucessivamente! Reorganizaram-se os tempos e os espaços de trabalho e de não trabalho em muitas famílias; com conflitos e privações, é certo, mas as famílias não terão parado. E por aí adiante. Mas, importa muito referir, que havia desigualdades “escondidas” que se revelaram: no acesso à internet e/ou na qualidade desse acesso. Falta fazer o mapa dinâmico das desigualdades no acesso social e espacial à infraestrutura tecnológica para que, em circunstância semelhante, possamos responder a uma questão simples: e se esta Internet falhar?
Parece, pois, evidente que os espaços virtuais são uma possibilidade. São extensões dos espaços físicos das actividades humanas. Parece, também, evidente que nunca os dados e a informação tiveram tanta importância na elaboração e ajuste dos modelos de propagação duma doença, para definir políticas de contenção, etc., etc.. De que falamos aqui? De inteligência espacial. De Geografia.

6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Gosto muito de sugerir lugares em associação com livros. O lugar que primeiramente me ocorre é Caminha. Mas Caminha é uma questão de paixão; dificilmente de razão! Apesar da urbanização difusa que se observa, que me desgosta, vale a pena visitar o sistema fluvial Rio Coura (subindo da sua foz no Rio Minho até Vilar de Mouros, focados na observação da biodiversidade e no mosaico de ocupação do solo em cada lado das suas margens) – Rio Minho (subindo da sua foz em Caminha até Melgaço, desta vez focados nos terraços do curso inferior, na erosão fluvial e na diluída fronteira com a Galiza), levando connosco Hermann Lautensach e Orlando Ribeiro. Regressados a Caminha, fique-se pela Vila a reler Maria Alfreda Cruz para ver quanto mudou e quanto mais interessante é a mistura social de hoje face à segregação de outrora, designadamente no uso do espaço público.
Mas o lugar que recomendo é São Miguel, Açores, levando connosco Raquel Soeiro de Brito e o seu São Miguel – a Ilha Verde. Estudo Geográfico (1950-2000). Como eu próprio escrevi para o prefácio, «(…) Esta Ilha ‘revisitada’, objecto de Tese de Doutoramento da autora em 1955, é-nos apresentada com uma dupla faceta: por um lado como território Atlântico – o mais importante do arquipélago dos Açores, pela extensão, intensidade e diversidade de ocupação – sujeito a episódios eruptivos e sísmicos frequentes e a um isolamento geográfico que obrigou à saída das suas gentes, nomeadamente para a América do Norte, portanto como uma terra do partir e simultaneamente, terra do chegar, dada a permeabilidade à assimilação da novidade, nomeadamente no sector agrícola (do trigo, da vinha, do pastel, do tabaco, do chá, e do ananás, por exemplo) e pecuário (nomeadamente do gado grosso), e ao acolhimento de um número de turistas em franco crescimento. 
Neste livro, à exposição minuciosa sobre a morfologia do relevo, o clima e a vegetação de São Miguel segue-se a história da ocupação do solo da Ilha. No capítulo sobre a agricultura retrata-nos, com traços literários de rara beleza, os elementos da paisagem agrária: os cerrados, as hortas e as quintas, as pastagens, as matas e os incultos. Estes elementos constituem o mosaico de utilização do solo desta Ilha atlântica e deixa-nos prever o modelo territorial tradicional que sustenta, ainda hoje, a actividade agrária. A criação de gado, a pesca e as poucas indústrias ocupam grande parte da gente que foi ficando neste isolado território português. O ‘realismo crítico’ com que a Professora Raquel Soeiro de Brito analisa a actividade económica insular – tradicional, periclitante e desajustada do novo paradigma de desenvolvimento sustentável – traduz a sua preocupação pelo bem-estar social das gentes desta terra. Nesta medida, o trabalho da geógrafa alerta-nos para o desinteresse das sucessivas gerações de políticos pelos desequilíbrios económicos e espaciais que, por critérios estritamente científicos, detectou na Ilha». Tal como quanto aos livros, gosto de revisitar os lugares. Entre outras coisas para observar as assinaturas das mudanças. De preferência com recurso à evidência científica.