# 39 Ricardo Almendra

Ricardo António Lopes Almendra | Agosto 2019

Nome: Ricardo António Lopes Almendra 
Naturalidade: Braga
Idade: 42 anos
Formação académica: Mestre em Geografia, ramo de especialização em Planeamento e Gestão do Território
Ocupação Profissional: Geógrafo

1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Há dois livros que gostaria de mencionar, um pela sua extraordinária capacidade de nos transportar para um determinado entorno espacial, e outro pela sua lisura no que diz respeito à forma como nos transmite conhecimento. O primeiro que recomendo é uma obra de Vergílio Ferreira, “Cartas a Sandra”. Este livro demonstra uma perspetiva muito particular do espaço e contexto geográfico. O modo como o autor descreve o espaço é deveras fascinante, capaz de fazer-nos visualizar o ambiente e transportar-nos para um lugar que  a personagem vivenciou. Outro que não poderia deixar de referir, é uma “pequena” obra de Suzanne Daveau, “O ambiente Geográfico Natural”. Este livro é interessante na medida que é bastante cognoscível e, num momento de iniciação a geografia de Portugal, para além de uma leitura agradável é  uma ótima ferramenta de estudo. Li-o no meu primeiro ano da faculdade e ainda hoje tenho presente na memória aprendizagens resultantes dessa leitura.

2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Ser geógrafo significa ter a capacidade de olhar para a realidade e vê-la de diferentes formas, prismas e lentes. Dentro da geografia temos áreas como a demografia, geomorfologia, estatística, etnografia, entre outras. Esta diversidade de campos confere à Geografia uma diversidade de perspetivas muito interessante que acaba por influenciar o modo que, como indivíduos, vemos as coisas à nossa volta. Confesso que ser Geógrafo não foi um sonho de pequenino. Quando tive de tomar uma decisão sobre que percurso académico seguir, optei por Geografia por ser das disciplinas que tinha melhor nota (assim como História, área pela qual também tenho um gosto especial) e também por gostar da cadeira e o modo como os professores a lecionavam. Foi este conjunto de fatores que conduziram-me a esta escolha e hoje estou plenamente satisfeito com essa decisão. É certo que enveredar por este caminho fechou-me muitas portas, mas também abriu-me muitas outras, isto pelo facto que referi anteriormente, pela sua versatilidade e diversidade de possíveis abordagens a um mesmo problema. 

3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
O reconhecimento expressa-se da seguinte forma: Ao dar início a uma reunião, na maioria das vezes, sou cumprimentado deste modo: “ Como está Sr. Engenheiro Ricardo?” Esta saudação diz muito a respeito do reconhecimento de ser Geógrafo. A partir daí faço a observação, primeiro para não ser tratado pelo título, pois não faço questão de tal e segundo, se o fizerem então que seja feito da forma correta, como Geógrafo. Este equívoco ocorre pelo facto de, em Portugal, por norma quem (se julga) “resolve os problemas”  são os engenheiros... e como muitas vezes estou presente para dar alguma solução a um problema assumem que sou engenheiro. Posto isto, confesso que o reconhecimento é relativo. No entanto, na minha opinião, o eventual pouco reconhecimento que existe não é um fator crítico para a profissão. É um caminho que se cria caminhando, é algo a ser construído pelos profissionais da área. Não restam dúvidas que a Geografia é uma ciência reconhecida, porém, a profissão de geógrafo, para além da docência, nem tanto. Posso ainda acrescentar que, o meu cartão-de-visita apenas tem um título que é Geógrafo. Podia ter outros, mas por opção minha, é Geógrafo.
  
4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Atendendo ao nível de contingência, à velocidade com que a nossa realidade (da sociedade) evolui, com que as ferramentas e técnicas estão a progredir, as gigantescas oportunidades que estão a surgir a nível tecnológico no que diz respeito à exploração geográfica mas também as especificidades que são requisitadas atualmente, no meio disto tudo diria que, se realmente tem gosto por uma determinada área deverá seguir em frente pois poderá construir um percurso profissional muito interessante como Geógrafo. A Geografia é uma área em que, se não gostarmos realmente do que fazemos, seremos profissionais medíocres. No entanto, se tivermos gosto naquilo que fazemos, podemos fazer coisas fantásticas. Acrescento ainda que, a empregabilidade ou maior ou menor número de saída profissional não deverá ser uma premissa na escolha de uma formação superior, isto tanto em Geografia como em qualquer outra área. Nos dias que correm, em que o mercado está em constante mutação, esse critério é irrelevante. O importante é reconhecer a sua vocação e investir na área que realmente têm gosto em, mais tarde, exercer uma profissão relacionada … ou não… isso só depende do trabalho e de alguma sorte. 

5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
Vamos falar do caso do Prédio Coutinho, em Viana. Um ótimo exemplo para discutirmos, de forma breve, a perspetiva humana e social da Geografia. Para contextualizar, a Câmara Municipal de Viana do Castelo, no âmbito do programa Polis, pretende a demolição do Prédio Coutinho para dar lugar à construção de um novo mercado municipal (que atualmente encontra-se numa zona mais periférica). Este planeamento e intenção de demolição do prédio teve início no ano 2000, e tem se prolongado até a data por motivos de resistência de alguns moradores. Uma vez que já se passaram 19 anos e fase final do processo, a Câmara Municipal não conseguiu fazer com que os todos moradores deixem o prédio, se calhar é porque está a falhar alguma coisa! Pergunto-me até que ponto se fez uso de ferramentas das ciências sociais para enquadrar e gerir as expectativas   dos moradores neste processo. Mais uma vez, vemos soluções de engenharia  a imporem-se como soluções, neste caso, demolir o prédio e fazer um mercado municipal, mas as pessoas e os seus problemas? Outro processo que, no meu entender, apresenta o mesmo tipo fragilidade, consiste gestão da “erosão da costa portuguesa” e os risco que lhe estão associados em particular na gestão da ocupação pela população. De um modo prático, tenta-se resolver atirando algumas “predas para o mar”, no caso, para além de pedras e betão, alguma centenas de milhares toneladas de areia, no entanto, existe um trabalho que também é, na minha opinião, mais importante e que passa por sensibilizar as pessoas no sentido de perceberem que correm riscos ao permanecerem onde estão. Neste sentido, é necessário reconhecer a importância de apurar melhor como gerir estas situações, de saber lidar com as pessoas, o melhor modo de comunicar com as mesmas e sensibilizá-las para as consequências da sua resistência ou práticas que as expõem aos riscos (ocupação de determinadas áreas do litoral). A geografia, como uma ciências social, pode e deve debruçar-se também sobre estes aspetos, por essa razão, deveria ter um papel de maior relevo quando verificamos conflito entre as pessoas e a forma como estas gerem o meio e os seus recursos.. 

6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Serra da Cabreira – Vieira do Minho. São vários os motivos que me levam a esta recomendação: Em primeiro lugar, da Serra da Cabreira conseguimos ir ao Gerês sem ir ao Gerês (não necessitamos de apanhar as filas de trânsito). Segundo, é possível visitar o Minho já com o olho sobre o Trás-os-Montes. Em terceiro lugar, temos a possibilidade de ver um Círculo Glaciar. Quarto, o resultado de algumas décadas de incêndios florestais e áreas não geridas pelo estado português. E por último, mas não menos importante, do alto do Talefe é possível apreciar o som do vento nas eólicas ou espreitar o Vale do Cávado e suas albufeiras. A diversidade de cores, espaços e texturas conferem a este local uma multiplicidade de paisagens que o tornam singular e muito característico. Sem dúvida, um lugar a conhecer e explorar.