# 35 Carlos Gonçalves

Carlos Gonçalves | Março 2019

Carlos Gonçalves, nascido em 1975, licenciado em Geografia, Planeamento Regional e Urbano e mestre em Geografia, Urbanização e Ordenamento do Território pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Doutorado em Geografia Planeamento Regional e Urbano pelo Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. 
Desempenhou múltiplas funções ao longo de 27 anos de trabalho onde se destacam (porque decorrem da condição de Geógrafo) os cinco anos de trabalho como Técnico Superior Geógrafo na Administração Local, Docência e Investigação no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa e na Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Politicas Públicas do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro. No plano da cidadania ativa colaborou, colabora e assume funções de direção em instituições de defesa do ambiente, de intervenção cívica e de educação. 

1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Responder a esta questão no singular, para um leitor embrenhado em múltiplos interesses é uma tarefa impossível. Reconhecendo esta impossibilidade, não deixarei de respeitar o intuito da pergunta fazendo uma breve referência aos diversos espaços onde se manifesta o meu convívio com os livros. 
Antes da minha vinculação à Geografia (que ocorreu com a minha entrada no curso de licenciatura), o território das minhas origens chegou-me, primeiro, pelos contos de Miguel Torga (“Os Bichos”, “O Senhor Ventura” e “Contos da Montanha”). Foram estes livros que me localizaram num contexto territorial do qual só conhecia a concha entre dois vales da Serra do Alvão onde nasci e cresci até aos 15 anos. Nos seus livros de contos, Miguel Torga, convoca todos os elementos da paisagem condensando nela emoções, odores, medos, amplitudes que me eram estranhamente tão familiares, estando eu a fazer parte delas, várias décadas depois de terem sido codificadas pelo autor nas suas linhas escritas. Os contos do Torga foram uma porta para perceber uma paisagem que tinha tanto de agreste como de bela e enigmática para um jovem que não a conseguia ver de cima. O Torga levava-me aos miradouros, punha-me a ver de cima, mas simultaneamente imiscuía-me nos mais recônditos recantos da “alma” transmontana. 
Um pouco mais tarde, descobri Teixeira de Pascoais e dei-me conta da imensa ambiguidade do vale do Tâmega. A novela “O Empecido” é um retrato que me marcou pela violência desse território repleto de contradições que se afastam, em muito, da imagem idílica que, quem não a viveu na primeira pessoa, alimenta sobre um mundo rural que, apesar de estar em plena fase de rotura, ainda manifesta todas as suas estruturas em funcionamento. Associo a esta núcleo de literatura regionalizada que me marcou e que certamente despertou a minha curiosidade pela Geografia, “Gaibéus” (Alves Redol) “Os Pescadores” (Raúl Brandão), “Levantado do Chão” (José Saramago). Recentemente descobri de Álamo de Oliveira, um livrinho precioso “Burra Preta com Lágrima” que me ajudou a perceber melhor o que é ser ilhéu nas ilhas dos Açores.  
A minha entrada na Geografia e no Planeamento Regional e Urbano, faz-se depois de ter participado em boa parte das mutações que o país viveu nas últimas quatro décadas. Essa descoberta foi feita através do livro “Filosofía y Ciencia en la Geografía Contemporánea. Una introduçción a la Geografia” (Horacio Capel). Descobri este livro numa feira de velharias poucos dias depois de me ter matriculado no curso de licenciatura em Geografia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Apesar de o ter lido numa fase em que ainda não tinha a menor ideia da importância do autor, foi através deste livro que percebi o longo trajeto da Geografia enquanto Ciência até chegar às correntes mais críticas e radicais. Volto muitas vezes a esta obra para entender as mutações da Geografia e reforçar os meus posicionamentos face aos debates atuais. Foi um acaso ter encontrado este livro e tenho hoje certeza de que marcou fundo a minha consciência sobre a condição de ser Geógrafo, como tenho certeza que foram as leituras que referi anteriormente que em mim instalaram a inquietação para buscar um tipo de formação académica que me permitisse perceber as interações que criam territórios, relacionar fenómenos e intervir sobre o mundo que me rodeia.  
Ao primeiro livro orientador do meu percurso, acrescento, e recomendo, o último que li, este relacionado diretamente com a temática de investigação que mais me tem mobilizado nos últimos anos: “The Resilience Machine” (2019) editado por Jim Bohland, Simin Davoudi, Jennifer Lawrence. Nesta obra juntam-se as potencialidades e os alertas críticos associados a este paradigma que traz consigo dispositivos novos de análise e de intervenção (mais robustos que a mera adaptação) sobre os processos de incerteza, de tensão, de crise e de transformação/transição, propondo abordagens sistémicas aplicadas ao planeamento e à governança territorial em contextos marcados por pressões ambientais, distúrbios tecnológicos, iniquidades sociais e instabilidades políticas.   
  
2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Ser Geógrafo não é só uma profissão. Na verdade, muitas vezes as competências adquiridas através dos estudos da Geografia, não se manifestam numa profissão com âmbito fácil de circunscrever. Contudo, ser Geógrafo é uma identidade que se torna numa espécie de “vicio” de transformar em pergunta tudo o que se observa numa paisagem. Este vicio manifesta-se na sistematização das viagens pelo país “não-autoestradado” e “não-televisionado” fazendo, e registando, listas de perguntas e anotando possíveis respostas em cadernos de campo gordos e sujos. 
No âmbito profissional, o colega Geógrafo é simultaneamente um elemento estranho e um parceiro a ter em conta. Abre sempre um espaço de aproximação que temos que conquistar junto de outros círculos disciplinares. O trabalho feito pela comunidade de Geógrafos, tendo à cabeça um grupo cada vez mais amplo de colegas que afirmam a sua capacidade de intervenção no espaço científico, técnico, político e cívico facilitam muito esta aproximação. É preciso louvar os protagonistas desses esforços. 

3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Dando sequência à resposta anterior, a minha opção pela especialização em Planeamento Regional e Urbano coincidiu com uma fase marcante da aplicação prática desta área de conhecimento ao ordenamento do território. Refiro-me aos últimos anos de licenciatura e à elaboração do Programa Nacional de Ordenamento do Território coordenado pelo Professor Jorge Gaspar acompanhado por boa parte dos investigadores do CEG-UL, de quem era, à data, aluno. No último ano da licenciatura aproveitei todas as oportunidades para realizar trabalho de campo em projetos de investigação que estavam em curso no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. 
Todavia, ficou claro para mim que teria de ter uma experiência de trabalho prático. Teria de participar na elaboração de instrumentos que pudessem melhorar a vida das comunidades. Esse chamamento, concretizou-se mal terminei a Licenciatura, assumindo trabalho em múltiplas frentes numa Câmara Municipal, numa fase em que se concretizou o maior fôlego de mudanças no quadro de políticas de Ordenamento do Território e do Urbanismo desde a publicação da Lei de Bases (Lei-48/98). Basta dizer que estes anos coincidiram com a passagem do Professor João Ferrão pela Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades. 
O trabalho em equipas alargadas (arquitetos, engenheiros, sociólogos, advogados,…) onde o Geógrafo estava em minoria e onde a ligação direta aos decisores era quotidiana, foi uma experiência riquíssima e a todos os níveis insubstituível por qualquer outro tipo de formação ou programa de estudos. Percebi imediatamente os constrangimentos (pouco reconhecimento inicial, associação da profissão a um caráter descritivo e ao ensino) e as potencialidades (adequação do quadro concetual às discussões relevantes, capacidade de análise, de resposta, de organização de informação, de modelação e representação, de pragmatismo e de concretização). A possibilidade de entrar nos debates, de fazer propostas e de formular respostas a desafios, que neste tipo de funções são diários e concretos. 
É necessário construir um Hospital Regional, pergunta o político: onde se deve localizar?  A resposta não pode ser evasiva, redonda, feita por aproximação. Tem de ser bem fundamentada, com critérios claros, concreta. Trata-se apenas de um exemplo a que poderia somar muitos outros que eram colocados diariamente pelo cidadão nos processos de participação pública decorrentes da elaboração de Instrumentos de Gestão Territorial, pelos Presidentes de Junta de Freguesia, pelos Vereadores, Presidente de Câmara ou por qualquer entidade da Administração, direta ou indiretamente, relacionada com as temáticas do planeamento, ordenamento do território ou urbanismo. Percebi que a Geografia me tinha munido com metodologias e com um quadro conceptual capaz de participar ativamente na formulação deste tipo de resposta assim como coordenar e participar em processos de trabalho muito mais amplos como a Revisão de um Plano Diretor Municipal ou a elaboração de Planos de Pormenor ou de Urbanização. 
Com a docência pude experimentar a receção dos alunos face às matérias que se ensinam e despertar a curiosidade, nomeadamente através de trabalho de campo. Na verdade, esse é o elemento verdadeiramente distintivo que nunca abandonei, quer nas unidades curriculares que lecionei, quer nos projetos em que participei. 
Mais recentemente, na equipa de investigação na qual estou inserido, sou um Geógrafo no meio de uma babel de disciplinas (Matemática, Engenharia do Ambiente, Engenharia Informática, Planeamento, Economia, Ciência Política, Física, só para apresentar algumas). Também aqui, a disponibilidade para trabalhar em conjunto, o pragmatismo da organização dos processos de trabalho, a natureza híbrida do quadro conceptual e da “caixa” de metodologias, são elementos facilitadores do diálogo, que, com trabalho e persistência acaba por resultar no reconhecimento do contributo que um Geógrafo pode dar nestes espaços realmente multidisciplinares. 

4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Começaria por dizer a ambos que não podem esperar facilidades, que têm de ser persistentes, que nunca podem perder a ligação às fontes de conhecimento, às formas formais ou informais de investigação e às comunidades locais/globais em que se inserem. 
De forma mais direcionada, para o aluno à entrada da Universidade, dir-lhe-ia que fez a escolha certa, seja para fazer uma formação de base que depois pode derivar para uma área de conhecimento com âmbito mais delimitado, quer se pretender desenhar um percurso profissional assente nas competências que a Geografia lhe pode proporcionar. 
Reforçaria a importância de não descorar a leitura e a preparação teórico-concetual (é esse quadro concetual que abre e qualifica a oportunidade de participar nos debates que ocorrerem nos círculos profissionais) e de se preparar muito bem no plano das metodologias. É com elas que se faz a diferença face a outros colegas de outras disciplinas em equipas alargadas. As competências de recolha, modelação, análise e representação de informação, associadas a linguagens de programação, são competências distintivas que ampliam substantivamente as oportunidades para os Geógrafos.
Não deixaria de apelar à inquietação e ao sentido crítico (mesmo sobre conceitos e teorias defendidas com unanimidade) à busca por experiências práticas, ao interesse por renovar as metodologias de trabalho de campo e à atenção para a intervenção quotidiana enquanto cidadão com competências e responsabilidades acrescidas para provocar mudanças através da cultura de (ordenamento do) território. 
A discussão dos desafios do futuro coincide integralmente com o âmbito do que ocupa os Geógrafos. Veja-se a proliferação de formas de informação, da importância de lhe dar coerência, de a representar com sentido crítico e com utilidades múltiplas. Veja-se a importância de repensar a forma como entendemos e como podemos planear futuros desejados, num contexto de falência dos modelos de progresso epistemologicamente otimistas, previsíveis, assentes em tendências manifestadas no passado e em princípios de equilíbrio comprovadamente inexequíveis. Note-se a importância de operacionalizar modelos urbanos mais saudáveis e que preparem a transição para sociedades pós-carbono, robustecendo os propósitos da sustentabilidade assumindo-os como desígnio civilizacional. Registe-se a importância de representar os sistemas de governança, as distribuições de poder, os padrões de decisões e os fluxos que se estabelecem entre os nós destas redes intrinsecamente fluídas. 
Esse futuro tem de considerar competências para equacionar as respostas mais adequadas para minimizar os impactos destruidores (vítimas, patrimónios, empregos) da proliferação de crises desencadeadas por detonadores ambientais, económicos, tecnológicos, sociais e políticos relacionadas com incertezas regionais (insegurança, iniquidades e desigualdades crescentes) ou, globais (alterações climáticas). No momento em que escrevo assisto às imagens da calamidade na cidade da Beira, Moçambique. Este tipo de desafios estão no âmago da ação da Geografia e dos Geógrafos para reconfigurar o futuro das sociedades, para além dos modelos perpetuadores do status quo que densificam as vulnerabilidades das comunidades, cidades, sistemas urbanos e regiões mais frágeis.     

 5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspectiva e análise como geógrafo.
A sucessão de crises iniciada em 2008 desencadeou o meu interesse pelo estudo das crises, resiliência e evolução regional. Dediquei a minha investigação de doutoramento a este tema e recordo muitos registos que recolhi no trabalho de campo que realizei em 2014 e que, não sendo o centro da minha análise, me deram fragmentos de vidas reais profundamente afetadas por estes acontecimentos que deveriam ter obrigado a fazer uma profunda revisão nos paradigmas vigentes por parte de todos os académicos, técnicos e políticos que se ocupam com as temáticas do planeamento e desenvolvimento territorial. 
Relembro aqui esses registos extraindo alguns de uma longa lista. Creio que esta seleção de fragmentos é, por si só sintomático dos impactos sociais desse episódio de crise. Desta forma pretendo disponibilizar ao leitor condimentos para perceber como este acontecimento me marcou e como redesenhou um país cheio de “lacunas expostas”. 
“Tenho uma vizinha de 78 anos que está no hospital (foi encontrada em casa caída), não pode voltar a casa porque não pode ficar sozinha, recebe menos de 500€ de reforma, não a recebem nos lares, está à espera de ser colocada numa unidade de cuidados continuados, pode ser enviada não se sabe para onde”. 
“Sou desempregada há já muito tempo (trabalhou desde muito nova na cerâmica), tenho 56 anos, ninguém me dá trabalho, o meu marido está na mesma situação. Tenho uma grave depressão (com internamentos sucessivos, vim ontem do hospital de Leiria), tenho um filho na universidade em Lisboa. É difícil. O que mais me preocupa é a situação da minha filha que vive muito mal, ela vive com menos de 375€ por mês. Tenho de ajudar, mas não sei como”. O corpo encolhe-se, silêncio. Apertei uma mão ausente. 
“Tenho os familiares que devem 4 meses de renda e da última vez que lá fui a casa, só tinham 1 quilograma de massa para se alimentarem. Por vezes recebem apoio da Santa Casa da Misericórdia”. 
“Eu pedi o RSI, mas as minhas irmãs têm vergonha. Têm vergonha, mas mandam o meu pai buscar sopa”. Assim fala uma mãe jovem, de dois filhos, um com doença crónica. 
“Sou reformado (trabalhava nas Finanças), a minha esposa está desempregada, “o meu filho (informático) também está desempregado, ele e o meu neto tiveram de vir viver cá para casa. Já tive duas casas minhas, tive de as vender, agora vivo numa arrendada. Não jantamos há muito tempo, come-se uma sopa e tenta-se arranjar mais qualquer coisa para o miúdo. Está a ver, o pão é para as sandes. É isto.” 
“Tenho 8 irmãos, só uma irmã é que não passa dificuldades (é a que está no Algarve). Sabe, lá em casa passa-se muito mal, fiquei desempregado em França, tive de voltar…, se não fosse a minha esposa (pausa longa, olhar na calçada, lenço que se procura mas não aparece), ela trabalha num restaurante do centro comercial, os patrões deixam-na levar os restos. É o que comemos”. 
“Tinha um amigo que tinha um estabelecimento. Nos últimos anos ele tinha de pedir dinheiro emprestado, primeiro ao banco, depois aos amigos”. Por fim, teve de fechar. As dívidas: ia pagando enquanto pôde, depois, depois ficou difícil, a diabetes apertou, as dívidas ainda mais e o amigo suicidou-se.
Na manhã (que foi noite até ás 10h00) de 16 de outubro de 2017 numa viagem de 3horas e meia entre as Caldas da Rainha e Aveiro (onde fui fazer a apresentação pública para um lugar de investigador) pude ver uma parte do cenário de catástrofe de um segundo acontecimento (“Incêndios de Outubro”) que rompeu a normalidade do país e que me marcou profundamente. O país tinha transformado a sua paisagem em duas décadas. Descobriu, nessa manhã, olhando das soleiras das portas das casas à beira das estradas nacionais, também a poucos quilómetros da linha de costa, com quintais eucaliptados ainda a arder em conjunto com os carros, os cabos da eletricidade e do telefone, a fábrica nas traseiras e a casota do cão que essa paisagem, na verdade é uma mancha verde de explosivo que se (im)plantou no “lombo” (central e ocidental) do mapa de Portugal desde o alinhamento do rio Tejo até ao rio Minho. 
O escuro cerrado das nuvens de fumo a meio da manhã, cortes de auto-estradas, bermas a arder, desvios em estradas nacionais que não iam dar a lado nenhum.  A desorganização era total. A estupefação e a desolação na cara das pessoas não se esquecem.

6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Poderia recomendar uma saída de campo à Serra do Alvão direcionada para observar a natureza ainda preservada onde se destaca o rio Olo e as Fisgas de Ermelo. “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia - Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia - Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia” (Alberto Caeiro). Esta opção serviria ainda para analisar o processo de fossilização dos elementos humanos da paisagem. Seria uma recomendação mais emocional.
Contudo, opto por sugerir uma saída de campo à região Oeste tendo como epicentro a cidade das Caldas da Rainha. Para preparar a jornada de campo ter-se-ia de ler, obrigatoriamente, as obras “O Concelho das Caldas Monografia Sanitária de António Sampaio Madahil (1956), a obra “A-dos-Negros uma aldeia da Estremadura” de João Evangelista (1962) e o estudo “Caldas da Rainha Estrutura Funcional e Áreas Sociais de Deolinda Reis e Maria Lucinda Fonseca (1981).  
O processo de assentamento da cidade, a sua evolução e os fatores físicos e socioeconómicos que a desencadearam, a influência que ainda apresenta sobre uma vasta região agrícola produtiva e sujeita a várias mutações (bem visíveis ainda na paisagem) desde a vegetação primitiva ao arroteamento para a produção de cereais, passando pela vinha até chegar à otimização dos pomares de maçã e pêra rocha que se exportam para todo o mundo. A escala facilita o sentido didático juntando vários fenómenos numa área restrita. O Oeste é um território-laboratório. Pode observar-se fenómenos de despovoamento em freguesias muito próximas da linha de costa, com o discurso que mimetiza o que se veicula em regiões raianas,  a pressão turística nas praias, os grandes investimentos turísticos, estádios avançados de lugares turistificados (vila de Óbidos), os processos de mutação de funções turísticas com implantação de clusters associados ao surf (Peniche e Nazaré) a dinâmica litoral, e as questões ambientais nas bacias dos rios Real e Tornada  todas sintetizadas na Lagoa de Óbidos ou na concha de São Martinho. Ainda se podem abordar as temáticas mais associadas ao ordenamento, à recusa dos princípios de planeamento no contexto da gestão autárquica, a edificação dispersa alimentada por uma rede viária reticular (como se de uma área urbana se tratasse), os efeitos da opção política pela rodovia (abandono da Linha do Oeste) e a proximidade gradual face ao processo de metropolização (Torres Vedras). 
A jornada teria de passar por um almoço no Mercado de Santana (freguesia de Alvorninha). Grande livro que se abre semanalmente (sempre ao domingo) sobre o mundo rural ainda vivo que apresenta, a quem se queira deixar impressionar, com uma das manifestações mais genuínas (fazendo com que se eclipsem os clichés do agrado dos fast gifts turísticos) do que é ser do Oeste.