#33 Hélder Lopes
Hélder da Silva Lopes, natural de Felgueiras, nasceu a 7 de dezembro de 1993. Estudante de Doutoramento em Geografia e Planeamento Regional na Universidade do Minho e Geografia, Planeamento Territorial e Gestão Ambiental na Universidade de Barcelona. Concluiu a Licenciatura em Geografia e Planeamento, em 2014, com 17 valores, e o Mestrado em Geografia, em 2016, com 20 valores, ambos na Universidade do Minho. Investigador do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT), no grupo de Espaço e Representações (SpaceR) e do Institut de Recerca de l’Aigua (IdRA), Grupo de Climatologia. É vice-presidente da Associação de Estudantes de Geografia e Planeamento da Universidade do Minho (GeoPlanUM), desde 2017.
Tem trabalhado em alguns projetos multidisciplinares nas áreas de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), Turismo e Clima, Turismo e Desenvolvimento, Geografia Económica e Social e Geografia da Saúde. Os principais interesses de investigação são Turismo e Clima, Alterações Climáticas, Climatologia e Biometeorologia, Riscos Naturais e Antrópicos, Turismo Rural e Desenvolvimento, Turismo Urbano, Geografia Social e Geografia da Saúde.
1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende
Apontar um livro que me marque é uma tarefa um tão pouco perplexa, embora haja vários que possa assinalar, que me marcam enquanto pessoa singular ou na minha vida profissional, em tomadas de decisões, mais ou menos conscientes.
Há um livro que não posso deixar de referir, “Noite”, de Elie Wiesel, ao relatar a experiência do autor durante o holocausto. Este livro marcou-me em finais da minha adolescência e é, no meu entender, um testemunho real, de fácil leitura, das atrocidades que o Ser Humano é capaz de compaginar e que nos transporta para a reflexão em torno daquilo que é a nossa ação, no comprometimento entre o nosso espaço e daqueles que nos rodeiam numa verdadeira assunção do termo “liberdade”.
Às obras de Álvaro Domingues, “Vida No Campo” e “A Rua da Estrada”, cuja leitura se orienta muito sobre os meandros da ocupação e da originalidade dessa mesma apropriação do espaço a Norte e, sobretudo, a Noroeste, há um que é o meu guia académico predileto sobre Portugal íntegro e, que, em parte, contribuiu para a minha opção pela área da Geografia – “Portugal”, de Miguel Torga. Fiz a sua leitura em fases distintas da minha vida e as interpretações também se foram alterando, em função da própria maturidade pessoal e da alomorfia que, por inerência, daí resultou. Lembro-me de devorar este livro nas minhas tardes livres, que me permite percorrer de lés-a-lés o nosso País. De Trás-Os-Montes ao Algarve, entre os Açores e a Madeira e nas antigas colónias, esta é uma das obras, que apesar de procurar se demarcar criticamente da propaganda política salazarista, regista as paisagens, as gentes e a feição dos territórios por onde o autor se cruza. Há ainda um gosto especial por este livro pelos vários trechos que fui encontrando em memória do autor durante o decurso da realização da minha dissertação de mestrado, e que relatam aquela que é a sua passagem por Boticas e Alturas do Barroso, naquilo que fixou como o Reino Maravilhoso.
2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
A geografia é como uma “tábua rasa” que permite delinear vários caminhos e articular-se num campo de ação bastantes basto, por se tratar de uma área de charneira. Embora sempre tenha gostado da perspetiva de enveredar pela geografia, lembro-me de chegar à universidade e ter pensado várias vezes no que poderia efetivamente fazer com um curso de Geografia. Hoje, olho para trás e vejo a importância desta decisão. A geografia mais não é que a locomotiva para a sustentabilidade de muitas outras áreas do saber, não só pelos métodos que lhe estão inerentes, mas também pelas competências transversais e perspetivas críticas que a ciência possibilita. Por ser uma ciência de descrição da Terra, permite-nos olhar de forma holística para o que se passa à nossa volta, compreender o outro e, especialmente, a ação homem-natureza na sua plenitude. Ressalvaria temas tão importantes de intervenção geográfica como as alterações climáticas, o fenómeno de gentrificação urbana, a turistificação, a (re) localização de serviços básicos ou o êxodo rural, onde o pensamento e interpretação espacial mais se afloram.
Na minha vida pessoal, vejo a geografia como um elemento diferenciador na interpretação que tenho da paisagem e da leitura da variabilidade espacial e temporal (por efeito da sua transformação) dos fenómenos que ocorrem todos os dias aos nossos olhos. De um modo ou de outro, a geografia é um elemento basilar no sustentáculo do meu pensamento crítico e no meu comportamento de cidadania.
3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Apesar da minha “juventude” científica e profissional, uma das premissas base da geografia é o trabalho colaborativo, seja no seio de projetos multidisciplinares em âmbito académico, ora em instituições públicas ou privadas no desenho de relatórios ou planos. Tudo depende da forma como nós fazemos reconhecer a ciência, no primeiro contacto que temos com os pares. É comum que sejamos considerados uma espécie de engenheiros ou arquitetos, numa catalogação desconhecida, muitas das vezes preconceituosa, de técnicos, políticos e investigadores de outras áreas de saber. Ainda assim, acho que tal começa a ocorrer em menor número de vezes, pela voz cívica e empírica de diversos agentes que se começam a pronunciar nos diversos meios (seja nos meios informativos e noticiosos ou no âmbito de palestras e mesas redondas junto da comunidade científica).
É, nessa própria, transdisciplinaridade, que ocorre, por contacto com outras áreas do saber, a própria evolução da geografia. A este respeito, não se pode olvidar o progresso dos métodos e ferramentas de trabalho resultantes deste “ambiente de produção”, que nos posiciona numa situação privilegiada por comparação com outras áreas do saber. Pela minha curta participação em alguns projetos científicos, há um certo savoir-faire que nos coloca numa situação estratégica em equipas de trabalho com economistas, arquitetos, engenheiros ou profissionais de turismo, por exemplo. Por inerência, saliento a articulação que o geógrafo faz com outras perspetivas (históricas, políticas, economicistas,…), permitindo a interconexão e compreensão de comportamentos tão díspares.
4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Antes de mais, faria jus àquilo que são as palavras da maioria das pessoas. A geografia é, de facto, uma área muito aliciante no sentido global da aceção. A juntar a isso, diria que, tal como todos nós, quem ingressa em Geografia integrará um leque de pessoas privilegiadas, seja ou não a sua primeira opção. Ao ter como o palco de atuação o Mundo, um geógrafo tem um olhar distinto perante o objeto. Por outro lado, esta maratona é marcada pela uma diversidade disciplinar tão grande. O geógrafo detém conhecimento sólidos em áreas como a climatologia, a ecologia, o planeamento do território, o turismo, a geomorfologia, as Tecnologias de Informação Geográfica, conferindo-lhe uma cultura geral, em sentido lato, e uma capacidade de adaptação e integração em diferentes contextos profissionais, em particular. Embora a empregabilidade seja reduzida (IMEDIATAS), se assentarmos a nossa intervenção nas capacidades diferenciadoras que o curso nos permite, será mais fácil diferenciar a formação e diminuir este problema.
No domínio da responsabilidade, cabe a cada um de nós, enquanto indivíduos, agir contra a estigmatização da sociedade perante a nossa classe de trabalho. O rigor, a competência e a qualidade são premissas essenciais a qualquer bom profissional e, como é certo, é-nos fundamental também. Cada vez mais, o geógrafo tem assegurado uma posição relevante perante outros profissionais. Portanto, resta continuar a fazer-se um trabalho de afirmação, que, embora seja moroso e em certas situações frustrante, não é impossível fazer-nos valer perante outros profissionais concorrentes.
Quanto às oportunidades numa sociedade do futuro, remataria com a articulação dos temas tradicionais com novas preocupações científicas, demandadas pelas novas exigências. Há certos conceitos cuja concatenação tem que ser assegurada na intervenção do geógrafo, tais como a sustentabilidade e a resiliência. A inovação de métodos, práticas e conhecimentos podem ser relevantes na organização espacial das atividades humanas, na preservação e utilização de recursos, ou na intervenção perante o risco. Refira-se a título de exemplo a relevância das tecnologias nesta intervenção que nos cabe, com a utilização, por exemplo, de Big Data e Data Mining na gestão e utilização de dados para análise espacial.
É essencial, pois, que se olhe o mundo como espaço de atuação, onde o suporte Portugal, se interligue com a diversidade interplanetária, onde a nossa ação pode, efetivamente, chegar!
5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
Há um acontecimento recente, e que tem vindo a ser recorrente, em termos internacionais, que penso ter interesse significativo no plano da geografia – o terrorismo. A multidimensionalidade desta problemática acarreta uma série de desafios sobre a organização territorial e sobre a própria gestão do espaço público, quando se têm sucedido ataques sobre locais que consideramos estruturados e seguros. Neste sentido, num sentido mais amplo, a circulação de bens e pessoas tem que ser fruto de revisão. E, num sentido estrito, é essencial repensar novamente em soluções de planeamento e gestão perante uma situação de insegurança constante, e onde é fundamental continuar a garantir-se a liberdade individual.
6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
De todas as vezes que pego no carro ou apanho um autocarro para explorar uma região ou um município, descubro locais que me levam a questionar: “por que nunca tinha estado aqui antes?”. Neste contexto, é uma tarefa difícil apontar um território único, pois todos os locais assumem-se como laboratórios de experiências, independentemente de se tratarem de bons ou maus exemplos perante o que se considere ou não representativo de paisagem. Por questões pessoais, apontaria a rota da Estrada Nacional 2 (EN2), numa viagem por 33 municípios e extensão de 738 km, entre Chaves e Faro, de modo a experienciar, quer panoramicamente, quer ao nível da gastronomia, a diversidade que é possível encontrar num país tão pequeno.