#25 José Luís Madeira Avelino

José Luís Madeira Avelino, 50 anos, natural de Alpiarça e residente em Santarém, é licenciado e Mestre em Geografia Humana e Planeamento Regional e Local pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Atualmente é Diretor do Centro de Formação da Lezíria do Tejo (Centro de Formação que associa sete agrupamentos de escolas dos Municípios de Almeirim, Alpiarça e Santarém), envolvendo a formação contínua de cerca de 1200 docentes dos ensinos básico e secundário. Pertence ao Quadro do Agrupamento de Escolas Dr. Ginestal Machado, em Santarém, tendo também já exercido as funções de Vice-Presidente e de Diretor Adjunto no mesmo Agrupamento. Tem desenvolvido diversos trabalhos de consultadoria em planeamento regional e urbano, quer para instituições públicas quer para empresas privadas. Dos seus trabalhos recentes destaca-se a coordenação do processo de elaboração e revisão das Cartas Educativas Municipais para a Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo.

1 - Comente um livro que o marcou ou cuja leitura recomende

Um livro que me marcou bastante foi a “Insustentável Leveza do Ser” de Milan Kundera. Cito este livro, pois gostei bastante de o ler há mais de 25 anos e curiosamente reli-o nas últimas férias de verão. Há três motivos que me levam a escolher este livro:

a) a problemática filosófica (fortemente influenciada pelas perspetivas existencialistas) subjacente ao livro, entre a “leveza e o peso” da existência, associada às implicações múltiplas que as nossas escolhas podem ter, é algo com que frequentemente me interrogo;

b) a problemática associada à “Primavera de Praga”, que constituiu uma espécie de antevisão aos acontecimentos do leste da Europa no final do século XX e que constitui uma das matrizes fundamentais do mundo geopolítico atual;

c) o fascínio de ler um livro que nos abre outras dimensões reflexivas, sobretudo depois de ter gostado bastante do filme de Philip Kaufman, onde surgem dois atores que emergiam no final dos anos 80 do século passado (Daniel Day-Lewis e Juliette Binoche).

 

2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia a dia, ser geógrafo?

A minha atividade profissional tem sido repartida por diversas áreas de atuação, destacando eu três, nas quais a dimensão da formação geográfica é fundamental.

A primeira, é óbvia, resulta da minha atividade enquanto docente de Geografia, sobretudo associada ao ensino secundário (ainda que com algumas passagens por outros níveis de ensino e ofertas formativas) em que procura mobilizar capacidades e competências dos alunos para as várias “leituras geográficas” passíveis de efetuar, valorizando, sobretudo, as perspetivas construtivistas de aprendizagem.

Em segundo lugar, em muitos trabalhos de consultadoria em planeamento regional e urbano, sobretudo às escalas municipal e intermunicipal, tenho interagido com bastantes autarcas e técnicos superiores das mais variadas formações, sendo para mim uma mais-valia a formação de geógrafo, que permite “cruzar” diversas áreas de conhecimento e intervir nos mais diversos domínios (planeamento estratégico, programação de equipamentos sociais, equipamentos educativos, entre outros).

Finalmente, iniciei recentemente uma nova experiência profissional na vertente da formação de professores, que pressupõe a articulação entre o conhecimento do território e do setor da educação, associado à capacidade de envolver diversas instituições; constato frequentemente que a formação geográfica me facilita trabalhar nestes “múltiplos palcos”.

 

3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?

Parece-me que na parte final da resposta anterior já abordei esta questão.

Na realidade, tenho notado que cada vez mais as políticas públicas (sobretudo as da área da educação, que são aquelas a que tenho estado mais ligado) apresentam uma preocupação pela sua territorialização. Bem ou mal, o Ministério da Educação tem vindo a dar sinais de querer flexibilizar currículos, possibilitando a introdução de uma componente local/ regional nos currículos.

Concomitantemente, constato que as autarquias procuram mobilizar os seus recursos endógenos, em que as diversas dimensões (materiais, imateriais e, essencialmente, territoriais) são enfatizadas.

Neste quadro de referência, sinto-me frequentemente “confortável” na participação de diversos projetos, grupos de trabalho, ou reuniões, em que os meus parceiros valorizam a capacidade que o geógrafo tem em conhecer o território nas suas diversas dimensões.

 

4 - O que diria a um jovem à entrada de Universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspectivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspectivas, responsabilidades e oportunidades?

Ao jovem à entrada da universidade ou à saída do ensino secundário (há muitos alunos indecisos no final do secundário que me perguntam o que se estuda em Geografia e, sobretudo, que saídas profissionais existem) destacaria que devem gostar de conhecer novas realidades, de ter flexibilidade e destreza para terem leituras a diversas escalas e sobretudo que devem gostar de articular diversas áreas do conhecimento, incluindo ciências da natureza, ciências sociais ciências exatas (nunca devem escolher esta área para “fugirem” a certas áreas como a Matemática”). Por outro lado, realçava as oportunidades inerentes a poderem intervir em múltiplas vertentes e que o geógrafo é um profissional que pode estar habilitado na intervenção nas várias componentes habitualmente associadas ao desenvolvimento sustentável (o ambiente, a economia e a sociedade).

Ao geógrafo saído da Universidade teria que dizer, com honestidade, que terá que procurar ser competitivo e realista num mundo de trabalho cujas oportunidades para o geógrafo nem sempre são fáceis numa primeira fase, mas que posteriormente lhe irão ser seguramente reconhecidas. Contudo, enquanto especialista numa “ciência de encruzilhada” cabe-lhe também ter um papel ativo na resolução de problemas, de âmbito local, regional, nacional, ou mesmo global. A temática das alterações climáticas é um paradigma deste potencial papel ativo, em que a leitura do geógrafo pode ser fulcral a diversas escalas de análise. Do mesmo modo, todo o potencial aberto pelas novas tecnologias, sobretudo pela internet, permite encarar com otimismo o papel dos geógrafos.

 

5 - Queríamos pedir-lhe a escolha de um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser do âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha e comente-o tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.

A velocidade e a multiplicidade de problemáticas atuais não facilita a escolha. Opto pela discussão recente trazida pelo denominado “Movimento pelo Interior”, com diversas propostas que, mais uma vez, valorizam a leitura geográfica do problema, na medida em que as propostas apresentadas estão estruturadas em três eixos: território, educação e política fiscal.

Numa leitura positiva das propostas realço a preocupação em contribuir para uma maior coesão territorial, para a diminuição das assimetrias regionais e sobretudo para a necessidade de impedir o desperdício de recursos (materiais e imateriais); se houve algo de positivo a retirar da tragédia dos fogos é a necessidade de não deixar cair ao abandono vastas porções do território nacional, sobretudo num país que parece ter esquecido durante muito tempo a sua vocação agroflorestal (algo a que um ribatejano é sensível, tanto mais que considero que resido num território de charneira, “algures” entre o litoral e o interior, mas também entre o norte e o sul).

Numa leitura mais reservada das propostas, parece-me que essa abordagem não deve colocar em causa a competitividade do sistema territorial e urbano do país, em que o litoral e, as duas principais metrópoles nacionais, terão necessariamente um papel fulcral, na “amarração” aos níveis superiores do sistema urbano ibérico e europeu. De resto, já nos anos 90 do século passado o Prof. Jorge Gaspar defendia que o fenómeno da litoralização contém algumas virtualidades, nomeadamente as que resultam da capacidade de realizar no ocidente da Península Ibérica uma região urbana articulada e com forte capacidade de articulação no contexto europeu e extraeuropeu.

Por conseguinte, aceito medidas de discriminação positiva para o interior, mas não de discriminação negativa para o litoral. Não esquecendo que o país possui recursos escassos, aceito a seletividade de mobilização e atração de recursos para o interior, onde os centros urbanos de pequena e média dimensão poderão ter um papel fulcral na sustentação dos territórios envolventes de baixa densidade. Assumir opções em que procuramos resolver todos os problemas em todos os territórios e em todos os momentos é a pior maneira de inverter os problemas do interior, pois irá necessariamente resultar em efeitos residuais e insustentáveis a médio e longo prazo.

Santarém, 24/05/2018

José Luís Avelino