#19 Raquel Faria de Deus
[Raquel Deus: Prémio Orlando Ribeiro à melhor tese de Doutoramento nos anos 2015 e 2016]]
30 de Novembro de 2017
Licenciada em Geografia pela FL da Universidade de Coimbra, Mestre em Sistemas de Informação Geográfica na Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior Técnico e Doutora em Geografia e Planeamento Territorial, na especialidade de Detecção Remota e Sistemas de Informação Geográfica, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Investigadora no CICS.NOVA, assegura docência no Departamento de Geografia e Planeamento Regional, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
1 - Comente um livro que a marcou ou cuja leitura recomende.
O Futuro e os seus Inimigos. Uma defesa da esperança política – do filósofo basco Daniel Innerarity foi um dos livros que me marcou e que recomendo a todos quantos trabalham na teoria fazendo a prática da Geografia.
O autor pretende contribuir para uma nova teoria do tempo social, propondo uma reflexão sobre o conceito de cultura de aceleração da sociedade contemporânea, na perspectiva das relações entre a sociedade e o devir: de como o futuro é antevisto, decidido e configurado.
Se, por um lado, defende uma política do optimismo, na qual o futuro ganha peso nos nossos procedimentos decisivos e deliberativos, por outro, afirma que, existe uma cultura generalizada de pensar apenas no presente imediato, sendo o relacionamento com o futuro colectivo não o de esperança e projecto, mas de precaução e improvisação. A meio do seu livro cita uma frase de Brauchlin e Heese: «não é evidente que a soma de soluções parciais conduza a uma boa solução geral». Eu acrescento um outro pensamento do autor, Quase todas as soluções incrementalistas, praticam a sequencialidade, isto é, o processo de avançar passo a passo na resolução, dos problemas. Em vez de procurar a solução definitiva de um problema por meio de uma única decisão audaz (o que exigiria grandes quantidades de informação e consenso, que habitualmente são incompatíveis com a escassez de tempo), os actores optam por avançar pouco a pouco, de uma situação pouco satisfatória para outra que se possa considerar melhor. O autor refere que uma das grandes limitações do incrementalismo consiste em actuar reactivamente, isto é, os problemas vão sendo geridos, à medida que vão surgindo, sem apostar num processo de transformação dos interesses ou de configuração de uma vontade comum. Nesse sentido, se não houver consideração pela antecipação e interpretação de problemas futuros, as nossas acções tendem para um presentismo sem perspectiva.
Vivemos, hoje em dia, numa sociedade tecnológica com grande e permanente inovação, em que as decisões que tomamos agora têm repercusões que perduram no tempo. Por esse motivo, mais do que nunca, é essencial pensar o futuro. E pensar bem o futuro, pode resultar num ganho de tempo com implicações profundas no espaço.
2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia a dia, ser geógrafa?
Ainda antes de entrar no ensino secundário, por volta dos 14 anos, já sabia que queria ser geógrafa. Para mim, a Geografia não é apenas um corpo disciplinar, mas principalmente uma forma de olhar para o Mundo. Quando abordamos questões reais, do dia-a-dia, tão diversas quanto as alterações climáticas, a dispersão urbana, o risco de propagação de doenças, a localização de um novo hospital, estamos a utilizar o pensamento geográfico baseado em análise e interpretação espacial. A Geografia sustenta o meu pensamento crítico, as minhas competências tecnológicas e de cidadania.
3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Sim! Muito embora, no decurso da minha actividade profissional tenha sido tratada por engenheira, geóloga ou simplesmente a menina dos SIG...Mas o mais importante, no meu entender, é verificar que, no exercício da profissão de geógrafa, os meus parceiros percebem a importância do pensamento espacial, experienciam o valor das Tecnologias de Informação Geográfica e que, por fim, assimilam a perspectiva geográfica com a qual trabalho. Tenho tido a sorte de me reconhecerem competências e capacidade enquanto geógrafa nos domínios do Saber (desde ensinar a definir escala, a relacionar causas e efeitos espaciais da intervenção humana no território no ensino básico e secundário, até ao ensino da Geografia e das geotecnologias no ensino superior), do Saber Fazer (como por exemplo, trabalhando a par com engenheiros civis e economistas na incorporação de novas tecnologias no processo tributário) e do Saber Acontecer (nomeadamente, a organização de workshops de partilha de experiências e de transferência para a Sociedade do conhecimento gerado na Universidade).
4 - O que diria a um jovem à entrada de Universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as suas perspectivas na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspectivas, responsabilidades e oportunidades?
Eu diria que a perspectiva geográfica, aliada ao uso das Tecnologias de Informação Geográfica, é mais relevante do que nunca, uma vez que as questões relacionadas com a quantidade de água, turismo, agricultura sustentável, transformação do uso e ocupação do solo, energias renováveis, diversidade cultural, ... têm vindo a ganhar peso à escala global e a condicionar o nosso quotidiano local. Para enfrentar estas e tantas outras questões, são precisos jovens com uma base sólida em Geografia, que tenham, por um lado a capacidade de nunca perder de vista a perspectiva global, mas que, por outro lado, compreendem como as tendências estruturais e os diferentes padrões espaciais se relacionam envolvendo sistematicamente as escalas global e local.
5 - Queríamos pedir-lhe a escolha de um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser do âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha e comente-o, tendo em conta a sua perspetiva e análise como geógrafo.
Escolho o fenómeno da explosão de informação. Trata-se de um problema actual e único para a comunidade que trabalha em inteligência geoespacial. Embora a disponibilização de grandes conjuntos de dados não seja um fenómeno recente a questão central reside no crescimento explosivo, nos últimos anos, do volume de dados. O conceito de Big Data, uilizado para descrever volumes massivos de dados, estruturados ou não estruturados, ganha importância a partir da primeira década do século XXI devido, sobretudo, a melhorias significativas, em três aspectos: na Observação da Terra, nos Open Data (dados disponibilizados livre e gratuitamente) e no desenvolvimento de novas plataformas de dados de fácil utilização, as quais permitem integrar de forma robusta, dados de distintas naturezas. Os avanços em diferentes tecnologias de Detecção Remota juntamente com o acesso gratuito a variadíssimos conjuntos de dados provenientes de Observação da Terra conduziram a uma verdadeira explosão de informação. Veja-se por exemplo, o programa de Observação da Terra Copernicus da União Europeia (www.copernicus.eu), o qual tem disponibilizado desde 2015 dados globais totalmente livres e gratuitos caracterizados por uma resolução espacial de 10 m e resolução temporal de 5 dias, através do satélite Sentinel-2. Estes dados têm tido as mais variadas aplicações, desde a análise semanal de cortes florestais à construção ilegal de edifícios. Uma variedade de novas tecnologias de Detecção Remota, nomeadamente, os UAV (Veículos aéreos não tripulados) estão, actualmente, a produzir informação muito detalhada sobre emergências humanitárias no continente africano, como exemplo. Neste contexto há ainda muitos desafios: as técnicas actuais de processamento de grandes volumes de dados de detecção remota revelam fragilidades e, portanto, o desenvolvimento de melhores algoritmos torna-se necessário; a falta de indicadores de detecção remota que nos possam dizer mais sobre o padrão e a distribuição de diferentes fenómenos geográficos. No entanto, as aplicações potenciais destes conjuntos massivos de dados espaciais e destas novas plataformas de dados para a investigação, apoio à decisão, elaboração de estratégias proactivas de planeamento de uso e ocupação do solo, desenvolvimento de políticas ambientais, entre outros, são inestimáveis, surpreendentes e traçam o caminho do futuro.
6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Recomendo o Maciço Calcário Estremenho, o qual envolve as Serras de Aire e Candeeiros.
A minha escolha decorre principalmente da minha primeira experiência de campo, durante os tempos de faculdade, na qual me deparei com formações vegetais originais e um relevo absolutamente sublime, constituído por diversos acidentes geomorfológicos calcários como as dolinas (Cova da Iria, Fátima), os campo de lapiás (Planalto de São Mamede), as grutas e algares, os relevos de falha (costa de minde, como exemplo), os polje (Polje de Minde, Mendiga e Alvados) e a fórnea (Fórnea de Alvados), alguns do quais, considerados os mais espetaculares da europa.
Provavelmente, algumas pessoas dirão que se trata apenas de lagoas, campos e colinas. Mas, como diz, e bem, o geógrafo Joseph Kerski, cedo, a perspectiva geográfica nos ajuda a compreender, que nunca é apenas. Ao analisar, ao interpretar, há sempre algo mais!