# 36 Célia Ferreira
Célia Ferreira | Abril 2019
Nome: Célia Marisa Fonseca Ferreira
Naturalidade: Valongo
Idade: 35 anos
Formação académica: Doutoramento em Geografia Humana, Mestrado em Sistemas de Informação Geográfica e Ordenamento do Território e Licenciatura em Geografia (especialização em Ordenamento do Território)
Ocupação Profissional: Técnica superior na Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal do Porto
Outros: Investigadora no Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT)
1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende
Ler é para mim uma paixão, desde muito nova. Os livros são uma fonte de aprendizagem, um instrumento de lazer e uma forma de viajar para outras realidades, dando largas à imaginação. Foram vários os livros que me marcaram ao longo da vida e que, num dado momento, fizeram todo o sentido ler. Mas há um que recorrentemente me vem à memória, pela cativante escrita do autor e, sobretudo, pela lição de vida que narra. Um Mundo Para Julius do escritor peruano Alfredo Bryce Echenique é um livro que li há alguns anos atrás e que recordo, desde então, com vontade de reler, o que é bastante significativo uma vez que a lista de livros pendentes é tão vasta que costumo dizer que não tenho tempo para reler livros. Um pouco como as viagens. Um Mundo Para Julius retrata a sociedade da cidade de Lima nos anos 50 do século XX a partir da visão de Julius, um menino inteligente, nascido numa família aristocrática abastada e privilegiada, que toma consciência do mundo que o rodeia e reflete sobre ele. O livro evidencia as enormes assimetrias sociais locais através da descrição do quotidiano dessa criança, que vive numa enorme e luxuosa moradia, que frequenta o melhor e mais caro colégio, que tem acesso a atividades que poucos da idade dela têm e que tem disso consciência porque vê e, mais do que ver, repara. A narrativa mostra que as assimetrias sociais e territoriais se encontram fortemente imbricadas, tendo subjacentes uma rede de fatores diversos e complexos que evoluem no tempo e no espaço.
2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Sou geógrafa com todo o prazer. Perdoem-me a simplicidade da frase, mas acho que expressa bem o facto de exercer a Geografia com todo o gosto. Entrei no curso com alguma relutância, mas aprendi a identificar-me completamente com ele. E ser geógrafa significa, para mim, uma grande versatilidade no tratamento de temas diversificados e na utilização de metodologias diversas. Isto mostra-se extremamente relevante em contextos de trabalho que nos obrigam a dar resposta constante a novos desafios, a integrar equipas multidisciplinares e a gerir projetos bastante diferenciados entre si, quer do ponto de vista dos domínios de análise abordados, quer ao nível das ferramentas analíticas utilizadas na sua compreensão, caracterização e planeamento territorial.
3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
A resposta não é imediata. Em termos gerais, sim, a minha formação em Geografia é reconhecida. Mas já encontrei um pouco de tudo, desde os que não sabem bem o que faz um geógrafo, até aos que acham que é uma formação de menor importância. No entanto, a minha experiência profissional diz-me que as nossas valências e competências são valorizadas e reconhecidas como uma mais-valia para as organizações. E que, sem sombra de dúvida, vale a pena ser geógrafo(a).
4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
A um jovem à entrada da Universidade diria que a Geografia é uma área de formação cada vez mais valorizada e que o vasto leque de temáticas com as quais trabalhamos nos permite a integração em instituições e equipas diversas. Sabemos que a entrada no mercado de trabalho nem sempre é tão fácil como desejaríamos, mas, sendo geógrafos, temos valências específicas que nos diferenciam de outros profissionais. A um geógrafo diria que as perspetivas e oportunidades se afiguram, na minha opinião, cada vez mais promissoras e que, portanto, há muitos novos desafios que podemos agarrar. Mas isso implica também mais responsabilidades: como tudo na vida! Há que estar à altura delas, não descurando a aprendizagem contínua, a atualização de conhecimentos e o aprofundamento e / ou aquisição de novas competências.
5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspetiva e análise como geógrafo.
No que se refere a um acontecimento internacional, relevo a situação na Venezuela. É uma crise política, económica, social e humanitária que está a adquirir fortes impactos territoriais, dentro do próprio país e fora dele. Assumiu contornos de uma crise migratória, semelhante a tantas outras que assolaram outras áreas do globo. Refugiados em fuga geram tensão nas regiões fronteiriças. Homens, mulheres e crianças fogem do seu país para países vizinhos, procurando emprego e melhores condições de vida. Emigrantes e descendentes regressam aos países de origem com o mesmo objetivo, fugindo de uma situação calamitosa que está a devastar o país.
Relativamente ao tema da atualidade nacional, sublinho o crescimento da atividade turística que, sendo um indubitável fator de crescimento económico, pode ter impactos negativos no futuro a nível económico, social e ambiental se o tema não for refletido e debatido e se os seus potenciais efeitos nefastos não forem devidamente acautelados. Há potenciais tensões que precisam de ser equacionadas, estrategicamente orientadas e eventualmente regulamentadas. Falo do forte crescimento e concentração do turismo nalgumas áreas do país e da consequente proliferação e reorientação de atividades económicas para uma lógica muito voltada para o turista, o que não sendo necessariamente negativo, desilude as expectativas da população residente ou utilizadora habitual. Falo também da pressão sobre monumentos e pontos de interesse que começam a gerar desconforto para residentes e trabalhadores que os usam no seu quotidiano, quando vão para o trabalho ou regressam a casa. E falo da sustentabilidade ambiental que é necessário assegurar.
6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Permitam-me sugerir dois locais: um em contexto rural, ou de baixa densidade, e outro em contexto urbano.
Em contexto rural, sugiro a aldeia de Montesinho. Para quem, como eu, gosta de locais bucólicos, onde o tempo parece que parou e a arquitetura é marcada pela tipicidade e por uma identidade própria muito vincada, certamente gostará de visitar esta aldeia transmontana e o Parque Natural a que dá nome. Uma sugestão para uma escapadela de fim de semana (prolongado, de preferência).
Em contexto urbano, lembro Braga. Minhota, de origem remota, a cidade é reconhecida como um dos melhores locais a nível nacional para residir, visitar e investir. A história, a cultura e a paisagem aliam-se às boas condições de vida que a cidade oferece. O resultado: um local aprazível e harmonioso que visito com prazer e com desejo de regressar.