Mariano Feio
Mariano Feio, por Maria Virgínia Henriques
Mariano Joaquim de Oliveira Feio (1914-2001) foi um Homem para além do seu tempo. A sua interdisciplinar carreira científica e a sua vida foram sempre pautadas pelo rigor, pela determinação e pela coragem. Fundamentado em sólidos conhecimentos teóricos complementados pela observação, pela experimentação e pela discussão, tinha ainda como imperativo a responsabilidade da divulgação dos resultados obtidos.
Engenheiro Civil de formação, cedo sentiu gosto pela Geomorfologia e Geologia que aprofundou nas Universidades de Berlim e Munique (1936-1942). Integrou depois o grupo científico de Geografia dirigido pelo Professor Orlando Ribeiro, na Faculdade de Letras de Lisboa, onde desenvolveu actividade docente e de investigação nesses domínios. Concluiu o seu doutoramento em 1952 com apresentação da tese “A evolução do Relevo do Baixo Alentejo e do Algarve, Estudo de Geomorfologia”, obra fundamental para a compreensão da geomorfologia da região. Apesar de ter sofrido um grave acidente de viação em trabalhos de campo na serra algarvia que lhe deixou sequelas para toda a vida, a sua força de vontade e determinação permitiram-lhe o prosseguimento da investigação no Alentejo, no País, no Brasil, em África ou na Índia.
Para além da Geografia, a Agricultura foi para Mariano Feio um constante apelo e desafio, sem esquecer a Antropologia e a Etologia. O objectivo de rentabilizar o património agrícola que possuía próximo de Ferreira do Alentejo e entendia ser um dever fazer prosperar, suscitou-lhe particular interesse para o estudo da relação entre as culturas, o clima e os solos do Alentejo. Com meios próprios e sem interesses corporativos, visitou as regiões mediterrânicas de Espanha, Marrocos, Itália, Israel, África do Sul e Califórnia, para observar e comparar solos, clima, práticas agrícolas e rendimentos aí obtidos com os do Alentejo, cujos resultados divulgou em várias publicações. A sua herdade era um verdadeiro campo de experimentação, orientada cientificamente, avaliada por um modelo inédito de contabilidade analítica e atento aos mercados. Nesta perspectiva, a agricultura foi o projecto que exerceu, com “paixão” e quase em exclusivo, desde 1954 (excepto entre 1975-1980) até ao fim da sua vida.
Na Universidade de Évora, onde foi Professor Catedrático (1975-1984), as aulas de Geografia dirigidas a alunos de Ciências Agrárias, Biologia, Economia e Sociologia, eram sempre abundantemente ilustradas com filmes e diapositivos, alguns inéditos em Portugal e adquiridos por sua especial indicação e empenho. Nas aulas práticas facultava listas com indicação dos conceitos indispensáveis para a compreensão das matérias ou com os números e quadrantes das Cartas Militares onde se poderiam identificar as principais formas de relevo. Apesar das suas limitações de mobilidade, sempre houve saídas de campo onde, com o entusiasmo e delicadeza que o caracterizavam, pedia a assistentes e alunos que munidos do seu altímetro ou martelo, observassem e medissem os vários níveis de terraços do rio Guadiana nas imediações de Mourão, ou inquiria quem distinguia um sobreiro de uma oliveira, um campo de trigo de uma parcela em pousio, ou sabia dialogar com um pastor.
A sua nobreza de carácter, afabilidade e simplicidade impressionaram os que tiveram o privilégio de o conhecer, de com ele colaborar, ou de ser seu discípulo. Os seus vastos legados, científico, humano e filantrópico, perpetuarão o seu nome.