# 58 Teresa Pinto Correia

Teresa Pinto Correia - Professora na Universidade de Évora | Março

Nome: Teresa Pinto Correia
Naturalidade: Portuguesa
Idade: 58
Formação académica: Geógrafa, Licenciatura na Faculdade de Letras de Lisboa, MsC em Arlon, Bélgica (Diplome Européen en Sciences de l’Environment), PhD na Universidade de Copenhague (Geografia)
Ocupação Profissional: Professora Universitária
Outros: Directora do Centro de Investigação MED–Mediterranean Institute for Agriculture, Environment and Development (Univ. Évora, Univ. Algarve e CEBAL-Beja), www.med.uevora.pt

1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende
Escolho comentar um pequeno livro que li no fim de 2020, porque o considero extremamente elucidativo e útil: “Cuidar de Portugal – Hipóteses de Economia Política em tempos convulsos”, por José Reis. O Professor José Reis é presidente da Associação Portuguesa de Economia Política. Este ensaio, de 2020, traz-nos um conjunto de reflexões sobre Portugal, e de propostas para como avançar de forma mais construtiva do que até agora, para o futuro. Reflecte no papel do sector público e do privado, do mercado e do Estado, da crise ambiental e da insustentabilidade de nos desligarmos do território. Insiste na recusa veemente de uma “normalidade” que mantenha os vícios, repita os erros e ficcione um mundo que não é sustentável quando se baseia em relações sem lugar, sem substância, guiadas pela ganância ou pela ideia bélica de competitividade, esquecendo a finalidade da produção, do trabalho, enfim, da vida (cit.). 

2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Tem toda a relevância, porque me dá um olhar sobre diversos fenómenos, que parte do território e da compreensão de como múltiplos processos afectam e são afectados pelos outros, à escala da paisagem. Com a Geografia aprendi a questionar o território, numa perspectiva sistémica. Com a Ecologia da Paisagem, a minha formação complementar e o campo científico onde me movo, a entender a complexidade dos sistemas que observamos. A minha investigação, sobre as dinâmicas e os processos de transição no espaço rural, é feita no interface com a agronomia e a engenharia florestal, a sociologia, a economia e a ciência política, a biologia e as ciências do ambiente – e todas são necessárias para analisar e entender o que se passa nesse espaço, e se reflecte na paisagem. A formação e a abordagem de geógrafa traz a esta interligação, uma plataforma de integração onde é possível cruzar os conhecimentos das várias disciplinas, descobrir novos caminhos analíticos e revelar factores de mudança que doutra forma não emergem.

3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Tem sido. Na facilidade de aceitação como interlocutora, no interesse nas questões que coloco, na aceitação das abordagens metodológicas que proponho

4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Um Geógrafo deve ser flexível e adaptável, crítico, construtivo e empenhado. A perspectiva da Geografia torna possível pontes, que outras perspectivas não conseguem estabelecer. Num mundo em permanente mudança, a capacidade de equacionar e testar novos caminhos para dar resposta às questões que a sociedade enfrenta, é fundamental. Assim, a formação de Geógrafo pode ser uma enorme mais valia. As oportunidades serão óbvias, se às características se assumirem também as devidas responsabilidades perante este mundo em mudança.

5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspectiva e análise como geógrafo.
Escolho um tema: a água, no território. Este ano temos um Inverno particularmente chuvoso, mas isso não nos pode fazer esquecer a escassez da água com que nos debatemos já hoje, e com que nos iremos debater cada vez mais nos cenários já conhecidos de alterações climáticas. Tanto os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas como o Pacto Ecológico Europeu nos lembram disso. A bacia do Mediterrâneo, incluindo todo o Sul de Portugal, é particularmente afectada. A má gestão da água coloca numa situação de vulnerabilidade o sector agrícola, o território rural, e toda a sociedade. No Sul de Portugal, a política pública de distribuição de água a custo subsidiado para a agricultura, concentrando o regadio em 15% do território, com custos de infraestruturação e transporte de água elevadíssimos para garantir produções rápidas e extremamente lucrativas, para um número reduzido de grandes empresas, tem aumentado os desequilíbrios no território. Este é o resultado de uma visão sectorial e vertical, onde se trata de criação de valor em determinadas fileiras agro-alimentares, mas não de valorização do território. Por outro lado, as captações de água subterrânea para fins de fornecimento urbano, mas sobretudo para rega agrícola, são dispersas e não são monitorizadas – mas rebaixamentos permanentes no nível freático das reservas subterrâneas estão já registadas, sendo que estas deviam ser as reservas mais resilientes. A diminuição do nível destas reservas subterrâneas não quer só dizer menos água disponível para consumo, mas também uma perturbação sem precedentes dos ecossistemas, por exemplo pela dificuldade das raízes das árvores e outra vegetação, atingirem a água nos períodos de carência.  
A importância económica da agricultura nos contextos europeu e nacional é de 3 e 6% do PIB. No entanto, a agricultura é recebe cerca de 30% do orçamento comunitário. O que justifica esta desproporção são as funções que se atribuem a este sector: a segurança alimentar mas também a gestão e coesão do território, a dinâmica das comunidades rurais, a preservação da paisagem e da biodiversidade. No Alentejo, o território gerido pelos sistemas agrícolas e florestais é de cerca de 2,6 milhões de hectares (ha). A área regável nesta região (incluindo Alqueva) é de cerca de 372 mil ha, dos quais 217 mil são perímetros de rega públicos e 155 mil pequenos regadios de iniciativa privada. Ou seja, o regadio serve menos de 15% da área do Alentejo. Assim, as funções atribuídas à gestão do território e ao fornecimento de bens e serviços públicos deveriam ser principalmente desempenhadas pela agricultura de sequeiro e pela silvicultura, nomeadamente pelo sistema Montado. Este é um sistema adaptado às limitações impostas pelo contexto biofísico, e paradigmático enquanto sistema de produção que é ao mesmo tempo de elevado valor natural (classificação europeia). Mas contrariamente ao que se poderia esperar de um ponto de vista de gestão sustentável dos recursos e do território, o Montado não é objecto de uma política de conjunto, mas sim afectado por instrumentos sectoriais, e tem vindo a sofrer uma progressiva deterioração, com perdas de cerca de 5000 hectares por ano para o conjunto do Alentejo (1 M hectares de Montado). A utilização de água para rega como processo de recuperação da capacidade produtiva pecuária e valorização do Montado, poderia ser um caminho, pelo menos para parte das explorações. 
Não há política de coesão que possa contrabalançar estes efeitos. A menos que as prioridades na gestão da água e das funções do solo sejam revistas, com uma distribuição mais equitativa e racional e com apoios aos diversos agentes económicos, o futuro do território será de um desequilíbrio cada vez mais profundo, tanto no funcionamento dos ecossistemas como no bem estar das comunidades.
Como geógrafos, o contributo crucial que podemos dar é o da análise das dinâmicas territoriais no uso e gestão da água, e a avaliação de como essa gestão contribui ou não para o capital territorial em cada região. 

6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
O Sítio Natura 2000 de Monfurado, sem dúvida. Pelo caracter único da paisagem de Montado, pela diversidade e beleza no padrão da paisagem em Monfurado em particular, e pelas dinâmicas de alteração da paisagem rural que se podem aqui observar e discutir.