# Miguel Bastos Araújo
Miguel Bastos Araújo
Naturalidade: Bélgica
Idade: 49 anos
Formação académica: Licenciado e Geografia e Planeamento Regional (Universidade Nova de Lisboa; 1994), Mestrado em Conservação (University College, London; 1996), Doutoramento em Geografia (University College, London; 2000). Ocupação Profissional: Investigador Coordenador no Museu Nacional de Ciências Naturais (parte do Conselho Superior de Investigação Científica em Madrid, Espanha), Investigador Coordenador Convidado na Universidade de Évora, e Professor Catedrático Convidado na Universidade de Copenhaga e no Imperial College de Londres.
1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende
A leitura é uma atividade que me acompanha há muito pelo que é difícil escolher um livro. Diferentes livros tiveram influências diferentes em idades diferentes. Mas gostaria de referir três de obras. A eleição da minha atividade profissional foi fortemente influenciada pelo livro “Biogeographie Evolutive” de Jacques Blondel. Um livro que encontrei por acaso numa livraria em Paris e que consolidou a convicção de que a biogeografia seria o meu destino profissional. O livro “Black Swan”, de Nassim Taleb, foi outra surpresa pela originalidade, densidade intelectual e persuasão do argumento. Essencialmente, propõe que os eventos mais determinantes na História são aqueles tidos como de baixa probabilidade, à luz do conhecimento da época, mas de alto impacto. Por este motivo são eventos de difícil previsão ainda que facilmente explicados a posteriori. Um livro essencial para todos os que se interessam por compreender e/ou modelar o futuro. Como marco teórico para interpretar os comportamentos sociais e individuais à luz da teoria da evolução, não posso deixar de referir “The Origins of Virtue” de Matt Ridley. Um livro que que partindo da teoria do gene egoísta, de Richard Dawkins, demonstra que o altruísmo (ou virtude) não é mais que uma forma estruturada e superior de egoísmo. Muito provocador e um excelente estimulo para integrar o pensamento evolutivo em diferentes áreas do saber.
2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Faço o que gosto e quando uma pessoa faz o gosta raramente sente necessidade de questionar-se sobre o significado e relevância do que faz. Note-se que a minha inclinação para a biogeografia, a ciência que estuda a distribuição da vida no planeta, vem da infância. Com apenas 12 anos lembro-me de dizer a um primo que quando fosse grande seria zoogeógrafo. Ora não me afastei muito desse desejo e exerço essa profissão por paixão. A relevância social é, no entanto, óbvia. Até à data não conhecemos nenhum planeta alternativo onde haja vida e quando o encontrarmos, se encontrarmos, não é claro que esta seja compatível com a nossa. Portanto, estudar a distribuição da vida no nosso planeta, suas causas, consequências, e formas de a preservar, é essencial para a nossa sobrevivência como humanidade e, acrescentaria eu, essencial para a construção da nossa identidade como espécie.
Na relação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento? Eu trabalho numa área de investigação marcada pela interdisciplinaridade, onde existem alguns geógrafos mas onde a maioria dos investigadores tem outras formações. Não estou certo que haja uma marca clara da formação geográfica no meu trabalho, que mais não seja porque existem várias escolas de Geografia e as diferenças entre elas são pelo menos tão grandes quanto as diferenças da Geografia com outras ciências conexas. Mas a Geografia que eu pratico procura um certo nível de abstração; a abstração que decorre de se separarem tendências de primeira ordem, de tendências de segunda ordem, ou mesmo daquilo que podemos chamar de ruído geográfico ou estocasticidade. Esta abstração, se bem feita, permite obter modelos parcimoniosos que têm a vantagem de ter maior capacidade preditiva. Esta abstração do fenómeno geográfico, com vista à obtenção de generalizações úteis para a construção de modelos, não é comum entre profissionais, tanto da Geografia, como de outras formações. Mas talvez seja mais frequente entre geógrafos, que mais não seja porque o foco da nossa reflexão seja o espaço geográfico. Para profissionais com outras formações o espaço geográfico é frequentemente encarado como um simples contexto em que operam os fenómenos de interesse.
4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Não me sinto muito confortável dando conselhos nestes domínios pois tenho a convicção de que “há vários caminhos para chegar a Roma” e que a história profissional de cada um é única, irrepetível e fortemente balizada por características pessoais. Não obstante, posso partilhar reflexões sobre a minha experiência. Tendo vocação para a biogeografia, quando tive que escolher a licenciatura poderia ter optado pela Biologia ou pela Geografia. Em Portugal não há uma forte tradição de estudo da biogeografia. Existe uma escola oriunda da Geografia Francesa, descritiva e fortemente orientada para os estudos de vegetação (onde se destacou a Susanne Daveau) e existe uma escola oriunda da Biologia, fortemente orientada para o estudo da ecologia dos organismos e suas dinâmicas territoriais. O meu interesse na biogeografia, mais centrado análise quantitativa e na modelação de padrões espaciais de biodiversidade, portanto mais afim à escola anglo-saxónica, diverge destas duas escolas. Não havendo nenhuma escola em Portugal que oferecesse formação específica no domínios dos meus interesses, optei pela Geografia e Planeamento Regional na Universidade Nova de Lisboa (UNL) pois oferecia um currículo flexível, com bastantes opções e que proporcionava ao aluno grande capacidade de construir o seu próprio currículo académico. O mérito desta estrutura curricular, hoje mais comum mas muito avançada para a época, é da responsabilidade da Prof. Raquel Soeiro de Brito, fundadora do curso, mas não me esqueço, igualmente, de um grande pedagogo e professor de economia da UNL, Prof. António Chambel, que nos solicitou um ensaio de tema livre. A única pauta foi abordar temas de teor económico porque, segundo as suas próprias palavras, “não sabia o que nós queríamos aprender”. Eu optei por um ensaio sobre as ligações da Economia com a Ecologia e, desta forma, além de cumprir um requisito de avaliação, desfrutei imensamente com o processo de leitura e investigação que culminou com a produção do referido ensaio.
A Biologia, em contraste, era mais dirigida, mais rígida, dando pouca flexibilidade para que o aluno orientasse os seus estudos em função dos seus interesses. Não me arrependo nada da escolha. A abrangência dos temas estudados na Licenciatura em Geografia e Planeamento Regional permitiu-me perceber melhor as dinâmicas socioeconómicas que afetam o território dando-me espaço para aprofundar outras áreas do conhecimento que me interessavam. A minha emigração posterior para o Reino Unido permitiu-me usufruir de uma formação mais específica nos domínios que eram de meu interesse. Mas a formação de base, ao nível da licenciatura, ainda hoje me dá vantagens comparativas quando sou confrontado com a necessidade de integrar diferentes disciplinas na compreensão de fenómenos espaciais.
5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspectiva e análise como geógrafo.
Um tema que me tem vindo a interessar desde o ano 2000 são as alterações climáticas e as suas implicações sobre como pensamos o ordenamento territorial. Hoje é um tema na primeira linha das preocupações sociais e políticas mas naquela altura os que desenvolvíamos investigação nesta área ainda éramos pioneiros. O meu trabalho centrou-se em como as alterações climáticas poderão afetar a distribuição das diferentes formas de vida e como as alterações nessas distribuições afetarão as prioridades de conservação. Convém salientar, no entanto, que o estudo das alterações climáticas, desde a fase de diagnóstico e construção de cenários, passando pela avaliação de impactes no território, e terminando no estudo e dinamização de atividades de mitigação das alterações do clima e adaptação a estas alterações, oferece oportunidades para o envolvimento de praticamente todas a subdisciplinas da Geografia. Desde a Geografia Física, com a sua clássica divisão entre climatologia e geomorfologia, passando pela biogeografia e paleogeografia e, naturalmente, culminando na geografia humana com todas as suas ramificações. Como exercício pedagógico, ao nível de mestrado ou licenciatura, seria muito interessante desenvolver projetos interdisciplinares na área das alterações climáticas, envolvendo geógrafos com diferentes especializações e abordagens para análise de fenómenos geográficos. Seria uma forma de demonstrar a utilidade da Geografia no estudo e resolução de um dos maiores problemas que a humanidade terá de enfrentar durante o século XXI.
6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Eu fui criado no sul do País e os meus locais preferidos são a região envolvente a Barrancos e a Costa Vicentina. Peço desculpa para os leitores do Norte, que também tem localidades fascinantes mas é o que conheço melhor. Ambas localizações possuem uma riqueza biológica apreciável e ambas possuem dinâmicas geomorfológicas interessantes. A região de Barrancos, além do mais, releva de interesse antropológico na medida que é das poucas localidades do País onde ainda sobrevive um dialecto que híbrida o Português e o Castelhano. Em contrapartida, a Costa Vicentina apresenta desafios importantes na área da sustentabilidade e ordenamento do território, designadamente o que respeita a compatibilização das atividades económicas e valores de conservação. Em suma, são laboratórios excelentes para levar os alunos que, além do mais, possuem infraestruturas logísticas para receber grupos.