# 69 Luísa Araújo

Luísa Araújo | Geógrafa; Técnica Superior da Câmara Municipal de Lisboa

Nome: Luísa Manuela Soares Araújo
Naturalidade: Região Autónoma da Madeira
Idade:55 anos
Formação académica: Licenciada em Geografia de Planeamento Regional e Local, mestre e doutorada em Urbanismo
Ocupação Profissional: Geógrafa; Técnica Superior da Câmara Municipal de Lisboa
Outros: Consultoria em Desenvolvimento Regional, Planeamento e Ordenamento do Território; Tutoria de Estágios Curriculares no âmbito de Cursos de Mestrado 

1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
São alguns, e diversificados, os livros que me marcaram até à data, incidindo, sobretudo, nas vertentes de ficção, ensaio e opinião e claro, também ao nível técnico-científico. 
Estando   a concluir a leitura de um livro que teve a particularidade de me deixar inquieta face ao futuro das sociedades ocidentais onde o risco e a incerteza imperam, tendo subjacente as conceções teóricas defendidas por Ascher e Giddens, não resisto à tentação de apresentar algumas considerações sobre o tema abordado.
O livro intitulado “O Crepúsculo da Democracia” de Anne Applebaum (Bertrand Editora, 2021) alerta para o aparecimento de falhas e violações nos postulados democráticos, conquistados e vigorantes nas sociedades ocidentais ao longo das últimas décadas. De acordo com a autora, esta crise nas democracias não pode ser considerada como sendo um problema regional, mas sim, um problema à escala global que pode surgir em qualquer contexto e para o qual não devem ser negligenciadas quaisquer suspeitas. 
O despoletar desta Crise da Democracia ganha força com o papel das tecnologias de informação (internet; redes sociais), e consequente exacerbar de discursos nacionalistas, com a disseminação de fake news, potenciando a revolta e o medo, fatores que contribuem para manipular a opinião pública e desacreditar factos reais e verdades científicas, impondo, de uma forma perversa e intencional, versões deturpadas da realidade. É o caso por exemplo do impacto nos mercados de emprego nacionais da entrada de imigrantes/refugiados, ou ainda, a negação da existência de uma pandemia ou de vacinas que permitem proteger a população dos efeitos mais adversos da COVID 19.
De facto, esta manipulação tem como propósito destabilizar a sociedade, favorecendo um ambiente de incerteza e fragilizando as suas estruturas. De acordo com Applebaum (2021), o crescente aumento de movimentos antidemocráticos e o correspondente alastramento geográfico, assumiu um grande impacto nos EUA com a Administração Trump, atingindo também, com alguma relevância, o espaço público de alguns países europeus, como a Hungria, a Polónia, a Áustria e até em Espanha (com o Vox).
Ao longo da narrativa apresentada fica bem evidente, de forma perturbadora, quão fácil pode ser asfixiado o debate público, fazendo emergir ideias e princípios antidemocráticos assentes num discurso autocrático ligado a ideologias extremistas (seja de direita ou de esquerda) que causa desconfiança, e não permite, a pluralidade de opinião necessária à compreensão da complexidade das situações. 
Não obstante, perante este cenário prospetivo ao qual ninguém deve ficar indiferente, considero que podemos, e devemos, no seio das instituições públicas enquanto professores, investigadores, decisores políticos, técnicos ou consultores, empenharmo-nos para valorizar a importância da liberdade (em sentido lato), da tolerância, da inclusão, e da necessidade e importância do conhecimento científico e tecnológico («sociedade do conhecimento»), pilares fundamentais da modernidade. Só desta forma podem ser desmistificadas ideias ou conceitos erráticos, podem ser estabelecidos compromissos na sociedade de forma a potenciar a inclusão e a diversidade, pode ser criado um sentido de pertença e, sobretudo, pode ser criada uma perspetiva progressista e realista de futuro para todos.

2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
A Geografia surge no meu caminho de uma forma imprevista, acidental, resultante fundamentalmente do crescente interesse pelas temáticas que faziam parte na altura (há cerca de 37 anos), do programa curricular da Geografia do ensino secundário. E do grande incentivo do Professor de Geografia do 12º ano, que contribuiu para que na fase de candidatura ao ensino superior optasse por colocar a Geografia à frente de outras hipóteses. Decisão que voltaria a tomar.
O ingresso no curso de Geografia da Faculdade de Letras de Lisboa, e no ano seguinte, a mudança para a variante de Planeamento Regional e Local, permitiu, num primeiro momento, sobretudo, nos primeiros anos de faculdade, um grande crescimento pessoal, despertando-me para uma realidade social, económica, e até urbanística diferente daquela a que estava habituada. E num segundo momento, concedendo-me ferramentas, em termos de técnicas e de metodologias, que se revelariam fundamentais em processos de análise e de intervenção no espaço urbano e no território, por mim acompanhados.
Até à data, a Geografia para além de me ter possibilitado cruzar com pessoas com formações diferentes, e de trabalhar com perspetivas multiescalar, a partilha de conhecimento e as experiências vivenciadas permitem-me reconhecer que existem quatro aspetos fundamentais que devem estar sempre presentes no processo de intervenção de um Geógrafo, nomeadamente: i) Saber olhar e compreender o território, não apenas na dimensão física e espacial, mas igualmente, ao nível das dimensões económica, social e cultural; ii)Ter uma atitude critica e construtiva relativamente a determinados fenómenos geográficos, analisando, equacionando, avaliando e propondo soluções para a resolução dos problemas encontrados; iii) Ser rigoroso no tratamento e na análise da informação pois será esta que sustentará o processo de intervenção ou, sendo o caso, suportará a implementação de uma determinada politica pública; e iv)Ter uma postura de ética e de compromisso nos estudos, na definição de políticas públicas ou ainda, em instrumentos de gestão territorial em que participa, não descurando o facto de todos eles terem um impacto direto na vida da população.

3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia? De que forma e como se expressa esse reconhecimento?
Quando acabei a faculdade havia a perceção de que o Geógrafo era aquele profissional que pintava mapas e sabia fazer uns gráficos bonitos e apelativos, opinião no mínimo provocatória. Felizmente, esta perceção foi mudando ao longo dos últimos anos, decorrente, numa primeira fase, do protagonismo e do mérito do trabalho desenvolvido por alguns Geógrafos, cujo contributo foi decisivo para o crescente reconhecimento da comunidade geográfica no espaço público e no meio técnico-profissional. Neste âmbito, e a título elucidativo, não posso deixar de relembrar que algumas equipas de ateliers envolvidas no processo de elaboração de instrumentos de gestão territorial, durante finais dos anos 80 e toda a década de 90 do século XX, eram constituídas também por um Geógrafo, demonstrando, efetivamente, a valorização do seu conhecimento científico em articulação com outras áreas. E atenda-se também, ao aumento considerável de Geógrafos registado na Administração Pública Local, nos últimos anos, cujo empenho e afirmação técnica tem sido importante para potenciar a qualidade de vida urbana, em muitos dos municípios do território nacional.
Numa segunda fase, pelo potencial gerado pela aplicabilidade dos sistemas de informação geográfica no processo de planeamento e de ordenamento do território, proporcionando uma maior capacidade de análise dos problemas do território e auxiliando mais eficazmente a procura de soluções. Na verdade, esta competência da Geografia foi conquistando um papel de destaque no seio da Administração Pública, e também pontualmente em ambiente empresarial privado, em tempos mais recentes.
Não obstante, constata-se, salvo algumas situações pontuais, existirem alguns entraves, e até dificuldades ao Geógrafo, em ingressar e se afirmar em cargos de liderança e de direção de topo, nos sectores público e privado, revelando, provavelmente, que ainda há um caminho a percorrer no sentido de consolidar o “nosso olhar” e contributo cientifico para o desenvolvimento da sociedade.

4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
Em primeiro lugar, diria para ser feliz e aproveitar, em toda a sua plenitude, a experiência universitária encarando-a como um contributo para a sua formação e enriquecimento pessoal. Transmitindo também, que qualquer formação universitária tem a particularidade de facultar ferramentas, ao nível de metodologias e de técnicas de atuação, proporcionando que essas possam ser utilizadas em qualquer contexto de trabalho.
Em segundo lugar, realçaria a abrangência da Geografia, essencialmente o seu carácter multidisciplinar e multiescalar, que faz com que recorra, no âmbito do seu processo analítico, a diversos domínios científicos, como a economia, a sociologia, ou o urbanismo, e a abordagens com diferentes níveis de análise que podem ir desde a escala local à global. Realçando ainda, que esta particularidade associada à complementaridade de conhecimento, tão identitária da Geografia, como sendo, na minha ótica, uma vantagem na medida em que permite uma leitura mais holística das situações.
Em terceiro lugar, destacaria o facto de poder participar ativamente no processo de construção do espaço urbano e de ordenamento do território, contribuindo para a definição de determinados padrões sustentáveis de desenvolvimento que possam dignificar e qualificar a vivência urbana, e fomentar a coesão social e territorial dos espaços urbanos.
Por último, salientaria o facto de poder desempenhar um papel chave na educação para a cidadania, sensibilizando particularmente a população escolar para as vantagens em participar e se envolver na construção e organização do país, da cidade ou apenas da área onde vive. E neste contexto, enalteço a importância e grande contributo do “Projeto Nós Propomos”, nesse processo educativo. De facto, o processo de participação pública surge como um instrumento democrático poderoso que permite que a sociedade civil se organize e se comprometa para encontrar soluções aos desafios que se colocam ao desenvolvimento do território.

5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspectiva e análise como geógrafo.
Recentemente tive a oportunidade, no site da APG, de comentar dois temas atuais – Emergência Climática e Crise Pandémica, mas aproveito esta oportunidade para comentar dois subtemas que decorrem de cada um deles, nomeadamente: i) a Economia do Crescimento Verde e ii) o surgimento de novos desafios que se colocam ao quadro de referência do urbanismo e ao modelo de desenvolvimento urbano adoptados até à data. 
Relativamente ao primeiro subtema, é importante referir que a crescente, e desejável, consciência pública sobre as questões ambientais que se alastram globalmente, particularmente as relacionadas com as alterações climáticas, invocam a necessidade de existir uma discussão alargada quanto à forma e ao modo como o desenvolvimento dos territórios se tem processado nas últimas décadas, e como os impactos suscitados por esse modelo de desenvolvimento podem ser atenuados. Apesar de esta discussão poder ser polémica, na medida em que interfere com interesses distintos, é indiscutível que a sociedade de consumo, sociedade neoliberal, terá de adotar novos modelos de desenvolvimento económico que, conforme refere o Prof. João Ferrão , procure salvaguardar o capital natural das sociedades e o uso eficiente de recursos naturais e de tecnologias, e permita um crescimento económico sustentável a longo prazo. 
Assim sendo, a Economia do Crescimento Verde deve ser encarada como uma nova abordagem conceptual a adotar no território que procure equilibrar os fatores, natural e económico, reduzir os riscos ambientais e aumentar o nível de bem-estar e a prosperidade das sociedades. Contudo, para que esta nova abordagem possa prevalecer é fundamental que seja defendida por políticas públicas que fomentem uma mudança de comportamento da sociedade.
Quanto ao segundo subtema, destaco o facto da recente crise sanitária ter suscitado novos desafios ao território, em geral, e às cidades, em particular, para os quais devemos estar devidamente preparados para dar respostas adequadas, e em consonância com o modelo de desenvolvimento urbano pretendido, destacando três aspetos:
Em primeiro lugar, a crise viral ao impor a necessidade de distância social na sociedade, veio demonstrar e comprovar que as questões relacionadas com a higienização do espaço urbano, com a valorização de espaços verdes e com a elevação de um modelo territorial de baixa densidade de construção, surgem no contexto deste episódio epistemológico, como fundamentais para a qualidade do espaço urbano e para o bem-estar e prevenção da saúde na sociedade.
Em segundo lugar, o eclodir de uma autêntica “revolução digital”, que de uma forma acelerada e impreparada, contribuiu para o surgimento de novas formas de trabalho e de ensino à distância. Caso esta nova caraterística se imponha no mercado de trabalho podem despoletar novas formas de ocupação do território, pela possibilidade de poder existir uma maior flexibilidade na escolha do local de residência, facilitando a descentralização e a expansão urbanas, na medida em que deixa de haver necessidade de existir uma proximidade entre casa-emprego. Contudo, este processo pode contribuir para a fragmentação do território e para aumentar as dificuldades quanto à sua gestão.
Em terceiro, e último lugar, face ao atual contexto pandémico e à possibilidade de no futuro surgirem situações semelhantes, considero que a Geografia, o Urbanismo, terão de equacionar rapidamente soluções que minimizem o risco para a população. Não obstante, independentemente das respostas que vierem a ser adotadas futuramente, defendo que essas não devem negar o papel crucial das cidades enquanto centros de interação urbana e de concentração de elementos históricos, patrimoniais e culturais relevantes, cuja visibilidade atrai investimento, turismo e inovação.

6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Como é expectável para as pessoas que já me conhecem, recomendaria o lugar onde nasci – Ilha da Madeira. Não apenas pela ligação afetiva forte mas, porque ainda hoje me consegue surpreender e cativar. 
Apesar de sobressair uma paisagem bastante humanizada particularmente na parte sul da ilha, cuidada, e devidamente articulada com os elementos naturais, há, no entanto, muitas possibilidades para quem procura apenas “tranquilidade” e paisagem natural. Neste contexto, sugiro caminhadas a pé por trilhos, destacando com apreço a Levada do Caldeirão Verde (Santana); a Levada das 25 Fontes (Rabaçal; Calheta) e a Vereada da Ribeira da Janela (Porto Moniz), permitindo desvendar e desfrutar de paisagens únicas em comunhão com a natureza, e perceber também a complexidade e importância da construção destas levadas para a população e para o desenvolvimento da ilha. Ou ainda, conhecer a lagoa e o parque do “Fanal” (Porto Moniz) que se inserem numa grande área de património natural, designada por floresta Laurissilva, fazendo parte da Rede Natura 2000, e onde se pode observar existir um grande cuidado na preservação da flora e da fauna local.
Para os interesses em questões geológicas recomendaria uma visita à foz da Ribeira do Faial, localizada na freguesia do Faial (Santana), onde é possível observar um exemplo geomorfológico designado por disjunção prismática ou colunar (derrames lávicos). Ou ainda, uma ida ao Miradouro da Eira do Serrado (freguesia do Curral das Freiras) onde se pode observar um grande vale encaixado que representa uma antiga estrutura vulcânica. 
Por último, sugeria uma visita a uma “pequena obra de arte”, como é o caso da “Casa das Mudas” (Calheta), da autoria do arquiteto Paulo David, cujo projeto foi galardoado com o prémio Mies van der Rohe, em 2005. A sua adaptação para equipamento cultural (âncora) - Museu de Arte Contemporânea da Madeira, possibilitando aumentar a divulgação cultural na região, constitui também um bom exemplo de intervenção, em simbiose com a paisagem envolvente, representando uma abordagem de arquitetura minimalista e modernista que convida à contemplação e ao silêncio. E neste sentido, permitindo também que os seus visitantes vivenciem uma experiência diferente que de certa forma é complementar à vertente cultural.