#54 Joana Santos

Joana Santos | Novembro

 

Nome: Joana Sofia Lopes dos Santos
Naturalidade: Gondomar
Idade: 41 anos
Formação académica: Licenciada em Geografia – Ramo Educacional (FLUP) e pós-graduada em Planeamento urbano e ordenamento do território (FLUP)
Ocupação Profissional: Coordenadora Editorial de manuais escolares de Geografia (Porto Editora)

 

1 - Comentário a um livro que o marcou ou cuja leitura recomende.
Aos 17 anos comecei a ler Tereza Batista, cansada de guerra, e não descansei enquanto não o terminei. Nem o exagerado número de páginas me demoveu. Este livro de Jorge Amado provocou uma avalanche dentro da minha cabeça de adolescente que está a começar a descobrir o mundo. A descrição dos espaços, das paisagens, dos cheiros, do toque, a forma como as personagens pensavam, como falavam, como interagiam, tudo se revelou tão diferente em termos culturais e espaciais da realidade que conhecia até então, que me fez perceber a diversidade encantadora desse país imenso – o Brasil -, tão diferente do nosso, que me atingiu com uma intensidade com a qual não contava. Talvez tenha sido também porque o livro que tinha lido imediatamente antes, Rosa, minha irmã Rosa, de nossa querida autora portuguesa Alice Vieira, sobre a perspetiva de uma (pré)adolescente sobre o mundo que a rodeia, a família, os amigos, os conhecidos. Completamente diferente no registo.

2 - Que significado e que relevância tem, no que fez e no que faz, assim como no dia-a-dia, ser geógrafo?
Na minha profissão atual, ser geógrafa é essencial. Os projetos escolares que tenho o prazer de acompanhar como coordenadora editorial, desde a sua criação até à sua impressão, são desenhados e escritos originalmente por equipas de autores (também eles geógrafos e docentes experientes), e têm como objetivo acompanhar os alunos das escolas portuguesas no seu processo de aprendizagem e descoberta dos conteúdos da disciplina de Geografia. Estes projetos são também pensados como ferramenta de trabalho para os professores, cujo trabalho desenvolvido em sala de aula e fora dela é de extremo valor. A minha formação pedagógica e como geógrafa é-me indispensável no dia a dia. Um projeto escolar tem de ser adequado ao contexto e à realidade dos nossos alunos, mas abrindo os seus horizontes, e ainda tem de cumprir com as diretrizes do Ministério da Educação que atualmente se preconizam nas aprendizagens essenciais e no perfil que o aluno deverá ter à saída da escolaridade obrigatória. A adequação dos conteúdos neste contexto é essencial, mas tendo sempre o cuidado de manter o rigor científico. Lembro-me ainda do período da minha vida em que dei aulas de Geografia, durante o qual tive oportunidade de passar a outras gerações o que considerava valioso na perspetiva de um geógrafo (não tenho como avaliar o alcance do meu trabalho dedicado, mas alguma coisa devo ter conseguido que lhes ficasse para a vida, assim o espero).

3 - Na interação que estabelece com parceiros no exercício da sua atividade, é reconhecida a sua formação em Geografia?
De que forma e como se expressa esse reconhecimento? As equipas de autores dos manuais de Geografia são protagonistas no trabalho que desenvolvo diariamente. No entanto, trabalho com várias equipas especializadas noutras áreas, e que compõem esta máquina que abrilhanta os originais que os autores nos fazem chegar – revisores ortográficos, designers, paginadores, ilustradores, especialistas em desenho digital e tratamento de imagem… é um sem fim de profissionais que compõem este puzzle - e que confiam nas indicações e solicitações que lhes faço chegar, porque sou eu a geógrafa! Sou eu a coordenadora do projeto. Portanto, sim, a minha formação como geógrafa é reconhecida pelas pessoas com quem trabalho.

4 - O que diria a um jovem à entrada da universidade a propósito da formação universitária em Geografia, sobre as perspetivas para um geógrafo na sociedade do futuro? E a um geógrafo a propósito das perspetivas, responsabilidades e oportunidades?
A Geografia enquanto ciência enriquece-nos como ser humano. Dá-nos perspetiva e pormenor. Ajuda-nos a ver o mundo, e todas as suas dinâmicas, com um olhar mais atento, mais profundo. Além disso, a sua ligação a outras áreas do saber é inequívoca. Permite-nos ter uma base estruturada que percorre vários caminhos. Um geógrafo do futuro é um profissional bem preparado, e que pode escolher diferentes direções. Pode direcionar-se para outras áreas do conhecimento, ou até cruzá-las. Mas irá sempre acrescentar valor. As oportunidades que a formação de um geógrafo nos proporciona são inúmeras. Com o desenvolvimento das tecnologias, creio que nem se consegue prever quantas novas profissões poderão surgir no horizonte. As profissões conforme as conhecíamos, mais tradicionais, já não são as únicas alternativas. Dei aulas de Geografia durante alguns anos, e nunca me ocorreu estar onde estou hoje, a exercer uma profissão que requer os conhecimentos e competências que a minha formação me proporcionou, e aos quais adiciono ainda hoje muitos mais. 

5 - Queríamos pedir-lhe que escolha um acontecimento recente, ou um tema atual, podendo ambos ser de âmbito nacional ou internacional. Apresente-nos esse acontecimento ou tema, explique as razões da sua escolha, e comente-o, tendo em conta em particular a sua perspectiva e análise como geógrafo.
Não posso deixar de referir o cenário de pandemia em que nos encontramos neste momento. As mudanças trazidas pela propagação mundial do vírus Covid-19 são impactantes e trazem consequências económicas, sociais, culturais e outras, cujo alcance é difícil avaliar neste momento. Como geógrafos, podemos estudar este fenómeno de diferentes perspetivas. Tendo em conta a profissão que exerço, uma das minhas preocupações dirige-se para as escolas portuguesas, que são sempre o nosso foco. Como podemos ajudar os nossos alunos e professores a adaptarem-se a este novo contexto? O que disponibilizamos até aqui é suficiente para que as aulas à distância e/ou presenciais possam respirar do caos provocado por tudo o que está a acontecer? Do que precisam os nossos professores? Como podem os nossos alunos estudar melhor? Felizmente a era do digital chegou primeiro, o que permite chegar a todos de uma outra forma, uma forma que não existia quando eu era aluna. Como geógrafa e coordenadora editorial, tudo é pensado (já era, mas agora com reforço) para articular os projetos com os diferentes cenários com os quais as escolas se deparam. E creio que posso falar em nome de toda a empresa, porque o trabalho desenvolvido e a rapidez com que nos adaptamos só pode ser fruto de profissionais com vontade de fazer mais e melhor. 

6 - Que lugar recomendaria para saída de campo em Portugal? Porquê?
Qualquer uma das ilhas dos Açores. Ou todas. São lugares encantados. Lugares que merecem a nossa atenção. Quem vive ou viveu nalguma destas ilhas poderá não ter essa perceção, mas a sensação de insularidade é uma experiência única para quem cresceu no continente. O tema da saída de campo... é só escolher! Afinal, para se fazer geografia, é preciso ir, e ver (para começar, porque para continuar é preciso muito método de trabalho e muitas horas de dedicação).